Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Tal como Carlos Rocha, também eu consegui confirmar a existência da palavra mbuwe/mbwe [Resposta O uso de bué (= «muito»), novamente].

Gostaria apenas de saber qual a verdadeira grafia da palavra.

Os meus parabéns pela manutenção da Bíblia Virtual da Linguística em Português.

Resposta:

Trata-se de uma palavra relacionada com a ideia de abundância, que se encontra no Dicionário Etimológico Bundo-Português do P. Albino Alves (1947) com a grafia mbuwe. Mbwe está, pois, por engano na resposta em causa (o erro já foi corrigido).

Acrescente-se entretanto que no mesmo dicionário também se registam as formas mbwe, remetendo para mbwekese, e mbwë, mas aparentemente sem relação semântica directa com a noção de abundância; passo a transcrever os respectivos verbetes:

«MBWE /olu, otji (1) *
Ver MBWEKESE (otji)

MBWË (2) (ólú, óló, álú, óválú / ótjí; óví, í)
I. De olu, otji/iva (iwa) = coisa de/roubar.
II. S. Ladroeira, rapinagem, rapacidade.
III. "Otjindjondjo kapyãla oneleho, ukwalumbwe kapyãla tjyamale" = O beija-flor não ultrapassa uma flor; o ladrão não passa adiante do alheio (sem fazer mal).

MBWEKESE (otji; ovi, i/ olu;olo)
I. De otji/pwekesa = coisa de/excitar, fazer doer.
II. S. Pedacinho de pedra na comida, areia; pedrinha miúda que aleija os pés descalços.»

Finalmente, quanto à palavra portuguesa, bué é a grafia consagrada.

* Em minúsculas, a seguir à palavra, vão indicados prefixos de singular e plural, como é caraterístico da língu...

Pergunta:

Gostaria de saber qual a figura de estilo que tende a equacionar um cognome a um nome, como Jesus Cristo (isto é, literalmente é Jesus, o Cristo), Alexandre Magno (= Alexandre, o Magno) e assim sucessivamente com outros nomes próprios.

Muito obrigado.

Resposta:

Jesus Cristo e de Alexandre Magno não são exemplos de sequências formadas por um nome e um cognome; o mais que se pode dizer acerca delas é que são constituídas por um nome próprio e um termo com a função de modificador restritivo (na terminologia tradicional portuguesa, um atributo) que passa a fazer parte de toda a expressão apelativa. Já «Jesus, o Salvador» (ou «Jesus, o Cristo», porque Cristo é o mesmo que Salvador) e «Alexandre, o Grande/Magno» correspondem a pares formados por nomes (Jesus, Alexandre) e cognomes («o Salvador», «o Grande»), uma vez que estes têm a configuração de modificadores apositivos (daí a vírgula a separá-los da palavra que modificam).

Para referir a sequência de nome e cognome, não conheço termo da retórica específico. Mas se a pergunta se refere à possibilidade de substituir o nome pelo cognome, ou melhor, à substituição de «um nome de objeto, entidade, pessoa etc. por outra denominação, que pode ser um nome comum (ou uma perífrase), um gentílico, um adjetivo etc., que seja sugestivo, explicativo, laudatório, eufêmico, irônico ou pejorativo e que caracterize uma qualidade universal ou conhecida do possuidor» (Dicionário Houaiss) — então trata-se de uma figura de retórica conhecida por antonomásia.

Pergunta:

Aterrar significa tocar na terra, e amarar, no mar, tal como alunar significa pousar na lua. E num rio? Existe "arriar", ou utiliza-se "amarar"?

Resposta:

Eu diria que não há palavra simples para a noção em causa, pelo que «pousar num rio» me parece a expressão adequada. Arriar, «fazer descer», não tem etimologicamente que ver com rio, porque, segundo o Dicionário Houaiss, terá evoluído do latim vulgar *arredāre, «adornar, enfeitar», que também deu origem a arrear, «enfeitar; pôr arreio». Quanto a amarar, só se aplica a um movimento que envolva aproximação ou afastamento do mar; daí os significados «fazer-se ao mar» e «pousar no mar (falando de um hidroavião, por exemplo)» (idem).

Pergunta:

O gramático Napoleão Mendes de Almeida, na sua sempre indispensável Gramática Metódica da Língua Portuguesa, afirma que o pronome indefinido qualquer não pode ser empregado, com o sentido de nenhum, em orações negativas, uma vez que tal maneira constitui um dos anglicismos que mais infunicam a nossa linguagem. Ora, em respostas vossas tenho observado esse uso nebuloso do supramencionado pronome. Que me podeis dizer?

Resposta:

Do ponto de vista da norma, nota-se recentemente uma maior abertura ao emprego de qualquer em contexto negativo. Maria Helena de Moura Neves, no Guia de Uso do Português (São Paulo, Editora Unesp, 2003), diz o seguinte sobre este tópico:

«Em manuais normativos condena-se o uso de qualquer com valor negativo, recomendando-se, nesse caso, o uso de nenhum. De resto, a doida não deu NENHUM sinal de guerra. (COT) [= Contos de Aprendiz, de Carlos Drummond de Andrade]»

Entretanto, a forma é usual, nesse contexto, nos diferentes registros. O Ministério da Fazenda também não deu qualquer retorno. (FSP) [= Folha de São Paulo]. A sorte da villa é que essa estrada não tem qualquer importância estratégica. (ACM) [= Aqueles Cães Malditos, de Arquelau, de I. Pessoti]»

Pergunta:

Gostaria de que me elucidassem a dúvida quanto à melhor forma de se identificar o plural em casos como os que seguem:

1) O João administra diferentes/várias clínicas de recuperação. (ou recuperações);

2) O João, drogado e alcoólatra, já ficou internado em clínicas de recuperações diferentes. ( ou em diferentes clínicas de recuperação;

3) Adamastor é proprietário de diversos parques de diversão. (ou diversões);

4) O padre construiu muitos templos de oração (ou orações).

5) A seguradora indicou diversas oficinas de manutenção para o cliente.»

Nesses casos, e em outros semelhantes, qual a forma mais simples (se é que exista) de se identificar que o substantivo é não-contável? Geralmente, os substantivos derivados de verbos (como comunicação = comunicar), quando usados nesses contextos, ficam invariáveis?. Ex: Os meios de comunicação; os parques de diversão (= divertir); os templos de oração (= orar); as clínicas de recuperação (= recuperar); as peças de reposição (= repor). Outro consulente perguntou qual a forma correta: «Eu compro peças de reposição» ou «Eu compro peças de reposições», mas o consultor disse que faltavam dados para responder. Sendo assim, nesse caso específico, as duas possibilidades são viáveis? Gostaria de exemplos para a segunda opção (peças de reposições).

Como de hábito tenho sido esclarecido pelos prezados consultores, mais uma vez aproveito o momento para apresentar os meus sinceros elogios ao excelente trabalho desenvolvido.

Resposta:

Considero que o próprio consulente já indica o critério que favorece o uso do singular das palavras nos contextos em questão. Todas elas são nominalizações de verbos, e a construção introduzida pela preposição de pode muitas vezes ser parafraseada por uma oração final:

clínica(s) de recuperação = clínica(s) para recuperar (de...)

Não faz sentido usar o plural «recuperações», porque não se trata de processos diferentes e delimitados no tempo, mas sim de um processo que é referido de forma geral, sem limites temporais concretos.

No caso de «parque de diversão», é possível o plural «parque de diversões», porque «diversões» significa os diferentes equipamentos usados no parque com essa finalidade. A palavra diversões não designa, pois, a experiência de sentir divertimento de um modo geral, antes remete para os lugares de diversão ou para as actividades que divertem.