Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Na frase «Mamãe desembaraçou as tranças de vovó», o verbo desembaraçar é transitivo direto e indireto?

E em «O menino roubou as calças de Jan»? Neste caso, «de Jan» é objeto indireto?

Resposta:

Nas frases em questão, ambos os verbos são transitivos direcos:

1) «Mamãe desembaraçou [= «desemaranhou», «desenredou»] as tranças de vovó.»

2) «O menino roubou as calças de Jan.» 

As expressões «de vovó» ou «de Jan» exprimem a posse e por isso são adjuntos ou complementos determinativos das expressões nominais «as tranças» e «as calças».

Existe, no entanto, uma possibilidade de desembaraçar ser transitivo directo e indirecto:

«Mamãe desembaraçou a vovó das cordas.»

Nesta frase, desembaraçar significa o mesmo que livrar, libertar, desenvencilhar (de alguém/alguma coisa).

Pergunta:

Qual é o antônimo de emprestável, isto é, o que se pode emprestar é emprestável, e o que não se pode emprestar? Vou ficar muito feliz se receber a resposta.

Obrigada.

Resposta:

Tendo em conta que emprestar é sinónimo de dispensar, cujo radical está na base de dispensável, pode empregar indispensável como antónimo de emprestável.1 Em alternativa, use «não emprestável» ou não-emprestável.

 

1 Como antónimo de emprestável, o consulente Luís A. Afonso (Lisboa, Portugal) sugere também inescusável, «na acepção de "não se pode dispensar", como vem dicionarizado no Porto Editora, 6.ª edição, 1998». Pela minha parte, verifico que no Dicionário Houaiss o verbo relacionado com escusável, escusar, pode ser realmente sinónimo de dispensar, mas a acepção comum que permite tal relação não é a mais saliente no conjunto dos significados de escusar. Por conseguinte, considero que indispensável é melhor como antónimo de emprestável.

 

Pergunta:

Fazia uma pesquisa sobre características da linguagem jornalística e do jornalista, e surgiu um sítio indicando os treze mandamentos do jornalista. Aí surge a expressão a «editar o VT». Já procurei, mas não consegui identificar o significado da sigla. Poderiam elucidar-me?

Resposta:

Trata-se provavelmente de uma forma abreviada de videotape ou videoteipe. No Dicionário Aurélio XXI, regista-se vt, com minúsculas e descrita como «sigla de videoteipe».1 Sucede que no exemplo da consulente, temos uma variante, VT, com maiúsculas, que me parece preferível.

Observo que, no dicionário consultado, sigla é definida como «reunião das letras iniciais dos vocábulos fundamentais de uma denominação ou título, sem articulação prosódica, constituindo meras abreviaturas  (ex:: E. F. C. B. = Estrada de Ferro Central do Brasil).» Acontece que as siglas surgem normalmente em maiúsculas, como o próprio Aurélio XXI exemplifica, enquanto as minúsculas, seguidas de um ponto, são geralmente reservadas para as abreviaturas. Sendo assim, embora a abreviação de videotape/videoteipe não se refira a palavras que constituem uma expressão,2 mas sim a elementos que compõem uma palavra (VT > V= vídeo e T="tape" ou teipe), o que importa é se faça recurso das letras iniciais desses elementos nesse caso. Trata-se, portanto, de uma sigla, que deverá escrever-se VT, com maiúsculas.

1 Tal como se escreve pág. para representar página ou sr., para senhor, teríamos assim vt. e não "vt", forma consignada no Aurélio XXI.

2 As siglas costumam abreviar expressões:

Pergunta:

Que relação poderia haver entre os vocábulos cabra e caprino; vida e vital, e noite e noturno, segundo Mattoso Câmara Jr.?

Resposta:

A relação existente entre essas palavras é etimológica, isto é, remontam directa ou indirectamente ao mesmo étimo latino. Contudo, deve notar-se que, enquanto uns são termos populares que se sujeitaram a grandes mudanças fonéticas, os outros são termos eruditos ou semieruditos que poucas mudanças apresentam (cf. J. Mattoso Câmara Jr., História e Estrutura da Língua Portuguesa, Rio de Janeiro, Padrão, 1985, 194/195).

Identifiquemos uns e outros entre os exemplos em questão:

Termos populares

cabra: evoluiu de capra, «cabra»

vida: evoluiu de vita, «vida»

noite: evoluiu de nocte, «noite»

Termos eruditos

caprino: adaptado do latim caprinus, derivado de capra, caprae, «cabra»

vital: adaptado do latim vitalis, derivado de vita, vitae, «vida»

noturno: adaptado do latim nocturnus, derivado de nox, noctis, «noite»

Pergunta:

Gostaria de saber porque temos de utilizar de quando dizemos «um milhão de carros foram ao evento» e não utilizamos o de quando dizemos «um milhão e um carros foram ao evento».

Pode me ajudar neste caso?

Obrigado.

Resposta:

Segundo o Dicionário Houaiss, «por sua natureza substantiva, este numeral [milhão] é empr[egado] precedido de outros numerais, artigos, pronomes demonstrativos, indefinidos etc., e o substantivo que o segue é precedido de preposição (p. ex., uma população de mais de 1 milhão de pessoas habita esta cidade; aqueles outros 5 m. de dólares somados com estes 4 não resolvem o problema do financiamento das obras)».

Em «um milhão e um carros», não ocorre preposição porque o numeral um, que faz parte da expressão numeral «um milhão e um», não rege preposição.