Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Sei que existem palavras unívocas, equívocas e análogas. Mas não consigo defini-las nem lendo dicionários, vocês podem conceituá-las, por favor?

E a palavra homem? Ela pertence a qual dos conceitos? Haja vista que homem tanto é ser humano quanto sexo masculino.

Obrigado

Resposta:

A classificação em causa não faz parte das descrições gramaticais mais correntes, mas, sim, de estudos de lógica com origem nas Categorias de Aristóteles.

Tanto quanto foi aqui possível apurar, no Brasil, na linguagem e na formação do Direito, usam-se os termos «palavras unívocas», «palavras equívocas» e «palavras análogas».

Seguem-se definições e exemplos de cada tipo, de acordo com uma fonte brasileira1:

«Palavras unívocas» ou «termos unívocos»: são palavras ou termos que só têm um significado, como acontece com os termos especializados. Exemplos: furto vs. roubo.

«Palavras equívocas» ou «termos equívocos»: são palavras que podem ser usadas em sentidos diferentes. Exemplos: sequestrar, que em Direito Processual significa «apreender judicialmente bem em litígio», enquanto em Direito Penal se usa na aceção de «privar alguém da liberdade de locomoção».

«Palavras análogas» ou «termos análogos» (na linguagem de Aristóteles, também ocorre como «termos derivados»): são termos sinónimos. Exemplos: resolução significa «dissolução de um contrato, acordo, », resilição, «um dos meios de extinção do contrato, através de acordo entre as partes», e rescisão, «dissolução por lesão ou contrato».

Neste enquadramento, a palavra homem é uma palavra equívoca uma vez que pode ter dois significados: «ser humano», «ser humano do sexo masculino».

 

1 Consultou-se "Português: O estranho dialeto jurídico", Interface Tecnológica, v.5 – n.1 – 2008, pp. ...

Pergunta:

Qual a etimologia de iteroparidade?

Resposta:

Iteroparidade é um termo do domínio da biologia e deriva de iteróparo, ou seja, «que gera/produz/dá à luz repetidamente». Este termo é formado por itero-, elemento deduzido do latim iterare («repetir»), e -paro, «que gera, que produz, que dá à luz» (Dicionário Houaiss), elemento que ocorre, por exemplo, em vivíparo, termo do domínio da biologia que denota o animal que gera crias desenvolvidas no útero materno, como acontece em geral com os mamíferos (versão atualizada e em linha do dicionário de Caldas Aulete).

Iteroparidade tem registo no dicionário da Infopédia, com o significado de «condição de espécie ou organismo que se caracteriza por ter vários eventos reprodutivos ao longo da vida». Iteróparo tem entrada na mesma fonte, como termo que se aplica ao ser vivo «que tem vários eventos reprodutivos ao longo da vida» (ibidem), além de significar «relativo à iteroparidade».

Iteroparidade denomina, portanto, uma das duas principais estratégias de reprodução entre os seres vivos. A outra estratégia designa-se por semelparidade, «condição de espécie ou organismo que se caracteriza por ter apenas um evento reprodutivo ao longo da vida», sendo vocábulo derivado de semélparo, «que só gera uma vez», conforme também se regista na

Pergunta:

Não estou seguro da pergunta que vou fazer, pois não tenho certeza de como a expressão é escrita.

Mas eu gostaria de saber se a expressão «da hora que…» ou «das horas…» é de origem antiga e se enraizou por isso no dia a dia, pois é muito ouvida numa situação de impaciência. Ex.: «Das horas que eu estou aqui nesta fila esperando e não sou atendido.»

Desde já, obrigado.

Resposta:

Agradece-se a partilha do consulente, que dá a conhecer o uso de uma expressão que não tem registo nem comentários nas fontes aqui disponíveis.

Sendo assim, não é possível, por enquanto, satisfazer o pedido que diz respeito à génese e à cronologia da expressão.

Pergunta:

Em certos tipos de textos jurídicos é costume utilizar alíneas como no seguinte exemplo (enumeração de factos):

«1. Factos Provados 1.1 Da acusação a) No dia 31 de janeiro de 2023 coloquei uma dúvida ao Ciberdúvidas; b) [...]?

Sucede, por vezes, que o número de itens é tão elevado que se dão várias "voltas" ao alfabeto, chegando-se, por exemplo à alínea zzzzzzz).

Este tipo de situações, para além de parecerem algo ridículas, suscitam dificuldades de formatação nos processadores de texto e geram alguma confusão nas remissões para as alíneas, dando azo a lapsos e retirando a utilidade prática às remissões, que utilizo sobretudo quando o texto das alíneas é de alguma extensão para poupar repetições.

Exemplo: «Como se diz na alínea zzz) [...]; Na alínea yyyy lê-se [...]; Remete-se aqui para a alínea ffff), etc.»

Haverá alguma outra maneira correta de designação dos itens de modo a evitar dar tantas "voltas" ao alfabeto?

Agradeço a atenção dispensada.

Resposta:

Não parece existir outra solução a não ser a descrita na pergunta: ou seja, na ordenação de alíneas, volta-se ao princípio da série alfabética quando se esgotam as letras do alfabeto; e vão-se repetindo as letras conforme se trate da segunda (duas vezes a mesma letra), terceira (três vezes a mesma letra), quarta (quatro vezes a mesma letra) ou mais voltas da série alfabética. É o que se observa, por exemplo, no Decreto-Lei n.º 26/2018, de 24 de abril  .

Note-se, aliás, que a repetição de letras para abrir alíneas é também o que prevê o Guia de Legística para a Elaboração de Atos Normativos, de 2020, conforme as indicações expressas na secção intitulada "Proémios e alíneas" (p. 54):

«Proémios e alíneas

A inclusão de alíneas num texto está sempre dependente da elaboração de um proémio que as identifica. A identificação das alíneas faz-se através de letras minúsculas do alfabeto português. Se for necessário incluir alíneas em número superior ao número de letras do alfabeto português, deve dobrar-se a letra e recomeçar o alfabeto.»

Pergunta:

O substantivo “visavó” pode ser considerado uma variante de bisavó ou é uma forma errônea?

Embora seu uso não seja muito comum, eu o ouço razoavelmente.

Resposta:

A forma escrita correta é realmente com b: bisavô, bisavó. Trata-se de um derivado formado por bis- («duas vezes») e avô/avó.

Outra coisa, é a pronúncia com [v] inicial, que parece motivada por uma assimilação ao [v] de avó/avô. Não é esta uma pronúncia que se considere correta, muito embora não seja desconhecida nos diferentes países de língua portuguesa.