Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

O que é uma metátese?

Resposta:

Segundo o Dicionário Houaiss (2001), uma metátese é «[uma] mudança lingüística que consiste na troca de lugares de fonemas ou sílabas dentro de um vocábulo (p.ex.: capio > caibo; semper > sempre; merulu > melro; estuprar > estrupar; depredar > depedrar; víbora > bívora)».

Pergunta:

Há alguns anos, um jornal brasileiro ostentou a manchete «Real desvaloriza!». Fiquei imaginando se a construção correta não seria «Real desvaloriza-se!».

Existem outras que também me deixam na dúvida. Aqui vão elas:

«Com as muitas chuvas, a represa encheu e rompeu», ou «Com as muitas chuvas, a represa encheu-se e rompeu-se»?

«João e Antônia casaram», ou «João e Antônia casaram-se»?

Se puderem acrescentar outros exemplos semelhantes e analisá-los, ficaria grato.

O veredito que nunca mente nem erra — o do Ciberdúvidas — por favor.

Muito obrigado.

Resposta:

Aconselha-se o uso de desvalorizar-se como verbo pronominal, quando significa «perder valor» (cf. Dicionário de Usos do Português do Brasil, de Francisco S. Borba). No entanto, assinale-se que este verbo faz parte de uma subclasse, que encontra tratamento mais desenvolvido, não na gramática tradicional, mas em estudos de linguística. Refiro-me aos «verbos de alternância causativa» (cf. Maria Helena Mira Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Editorial Caminho, 2003, pág. 305-306, 518), empregados de duas maneiras:1

a) como transitivos directos, são verbos causativos, porque têm por sujeito um causador: «o governo desvaloriza o real»; «a chuva encheu e rompeu a represa»; «o padre casou o João e a Antónia»; «o João terminou a prova»;

b) como verbos intransitivos, têm por sujeito uma entidade (tema) afectada por uma mudança de estado, podendo uns ocorrer obrigatória ou opcionalmente com o pronome se (pronome clítico) e outros sempre sem ele: «o real desvaloriza-se» (obrigatório); «a represa encheu(-se) e rompeu-se» (opcional no primeiro caso, obrigatório no segundo); «o João e a Antónia casaram-se» = «O João e a Antónia casaram» (opcional; sobre casar, ver Maria Helena de Moura Neves, Guia de Uso do Português, São Paulo, Editora UNESP, 2003); «a prova terminou».

Diga-se que o uso evidencia uma tendência para a perda do pronome se em muitos casos obrigatórios no contexto da norma. É o que acontece frequentemente com o emprego de reunir como verbo intransitivo sem pronome («o coordenador reuniu o departamento» vs. «o departamento reuniu»), sem...

Pergunta:

Pode utilizar-se indiferentemente o termo "hidroginástica" ou "hidriginástica", ou este último nem sequer existe no português de Portugal?

Resposta:

Deverá dizer e escrever hidroginástica, porque hidr- é a forma do radical de origem grega, e o, a vogal de ligação característica deste tipo de radicais. Não existe "hidri-", a não ser aparentemente, quando, por exemplo, falamos em hidriatria (ver Dicionário Houaiss), mas, neste caso, o que temos é a queda do o de hidro: hidr(o)- (do grego húdōr, húdatos, «água», idem) + -iatria (este radical é por sua vez formado por iatr-, do grego iatrós,oû, «médico» + sufixo -ia, idem).

Pergunta:

Na frase «O Outono dá umas pinceladas douradas nas uvas brancas», qual é a função sintáctica de «nas uvas brancas»?

Resposta:

Na acepção de «aplicar», o verbo dar é transitivo directo e indirecto, ou seja, selecciona dois complementos (Dicionário Gramatical de Verbos Portugueses, dirigido por João Malaca Casteleiro, Lisboa, Texto Editora, 2007): um complemento directo realizado por um grupo nominal e um complemento oblíquo realizado por grupo preposicional introduzido pela preposição em; por exemplo, «É preciso dar mais tinta na parede» (idem). Sendo assim, na frase em questão, a função sintáctica de «nas uvas brancas» é a de complemento oblíquo.

Pergunta:

Gostava de saber qual é o gentílico dos habitantes da minha aldeia. O nome da aldeia é Cabaços.

Obrigado pela atenção.

Resposta:

Normalmente, os topónimos que remontam a um plural, como é o caso, formam o gentílico a partir da forma de singular. Assim, se os naturais e residentes de Cabeceiras (de Basto) são cabeceirenses, o que pressupõe uma forma cabeceira, então os de Cabaços são cabacenses, pressupondo cabaço.