Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber se o nome colectivo gente é contável ou não contável.

Obrigada

Resposta:

O substantivo gente pode ser interpretado de várias maneiras, a saber:

a) Como um colectivo, significando «pessoas»: «Havia muita gente na praia.»

b) Com valor pronominal, equivalente a nós: «A gente vai ao cinema.»

c) Já num registo arcaico, como sinónimo de povo, nação: «Na época dos Descobrimentos, Lisboa era cidade de muitas gentes.»

Calculo que a pergunta se refira ao uso de gente como colectivo, como em a). Nesse caso, há de facto dificuldade em empregar como contável, uma vez que o seu sentido já é o de um plural («pessoas»).

Pergunta:

A palavra ferroviário é formada por justaposição, ou por aglutinação?

Obrigada!

Resposta:

A palavra ferroviário deriva por sufixação de ferrovia. Esta, por sua vez, é, na terminologia gramatical portuguesa mais antiga, um composto erudito (radical latino ferro + via; cf. Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 1984, pág. 109). Actualmente, tendo em conta o Dicionário Terminológico, pode-se classificar ferrovia também como um composto morfológico, porque «associa um radical a outro(s) radical(is) ou a uma ou mais palavras» (ver Textos Anteriores).

Pergunta:

O adjectivo superveniente usa-se com a/à, ou pode usar-se também com com?

Resposta:

A regência de superveniente, «que vem depois, subsequente», é construída com preposição a, como atesta o Dicionário UNESP do Português Contemporâneo (São Paulo, UNESP, 2004): «A cláusula foi revista em razão de factos supervenientes à assinatura do contrato.»

Pergunta:

Gostaria que me esclarecessem esta dúvida:

Por exemplo, diz-se «máquina de frutas», «máquina de sumos» ( estas com um sentido geral), mas porquê «máquina de café» e não «máquina do café» (quando esta é mais específica)?

Obrigada desde já.

Resposta:

Diz «máquina de café», como diz «máquina de sumos», porque se trata de uma máquina de «fazer café» ou «fazer sumos», sem artigo, porque esses substantivos se referem a bebidas sem as quantificar, especificar ou retomar em discurso. Não vejo, portanto, que haja maior especificidade em «máquina que faz café» do que «em máquina de fazer sumos».

Note que «máquina de café», «fazer café» e «comprar café» referem-se a um produto ou uma matéria indiferenciada, como «farinha» na expressão «juntar farinha». A palavra café leva artigo se quisermos mencioná-lo como produto diferenciado de outro («o café é mais aromático do que o chá»), quando se pretende referir o momento em que se bebe café («máquina usada no momento do café») ou quando se trata de uma máquina identificada em discurso como pertencente a um café, «estabelecimento onde geralmente se servem bebidas, acompanhadas ou não de bolos e sanduíches».

Pergunta:

No âmbito de um trabalho para a disciplina de Sociologia da Educação, analisei um texto de Manuel Pinto e Sara Pereira ("As crianças e os media: discursos, percursos e silêncios"), no qual encontrei as palavras "mediocêntrico" e "sociocêntrico". Podem explicar-me os significados destas palavras, que não consigo encontrar?

Muito obrigada.

Resposta:

Os termos em questão são neologismos e, pela análise dos seus elementos constituintes, propõem-se os seguintes significados:

mediocêntrico (medio-, «relativo a media» + cêntrico): «que está centrado nos media (= meios de comunicação social; mídia no Brasil)»;

sociocêntrico (socio-, «relativo à sociedade ou a grupo» + cêntrico): «que está centrado na sociedade ou num grupo».

Note-se que estes neologismos seguem geralmente o modelo de egocêntrico («centrado em si próprio»).