Pergunta:
Dan Everett, no livro Don't Sleep, There Are Snakes: Life and Language in the Amazonian Jungle, aparentemente alega que a palavra jeito viria do verbo jazer, e quer dizer algo como «deitado», «acomodado» etc., oferecendo então uma explicação alternativa (e criativa, na minha opinião) para a origem do proverbial jeitinho brasileiro. Quando interpelado por um tradutor meu colega que leu o livro, ele não só confirmou isso como acrescentou que jazido é uma corruptela do original, que todos os dicionários brasileiros são ruins e que nenhum deles leva em consideração a evolução histórica da nossa língua. Incidentalmente, Aurélio, Houaiss e Luft, todos concordam em que a palavra jeito vem do latim jactus. O sr. Everett, em sua correspondência com meu colega, diz que aprendeu (e ensinou) isso quando viveu no Brasil, onde teria obtido um Phd em História do Desenvolvimento da Língua Portuguesa (sem precisar onde ou quando). Gostaria de saber se tem cabimento a inusitada teoria do sr. Everett. Agradeço antecipadamente.
Resposta:
O substantivo jeito está de facto etimologicamente relacionado com verbo jazer. Acontece, porém, que essa relação não é directa.
Jeito evoluiu, por via popular, do substantivo jactus, us, «ação de lançar, arremesso, tiro, jato, lançamento», que deriva do supino jactum do verbo jacĭo, is, jēci, jactum, jacĕre, «lançar, deitar, jogar; atirar, arrojar contra ou sobre, enviar, despedir; estabelecer, pôr, colocar; exalar, deitar (cheiro); produzir, dar (com referência a uma árvore); proferir, dizer», da raiz i[ndo]-e[uropeia] *ye-, «lançar» (Dicionário Houaiss). O verbo jazer evoluiu do verbo jacĕo, es, ŭi, ĕre, que é cognato (evoluiu do mesmo radical) de jacĭo, embora, em contraste com este, revele um valor resultativo: «achar-se no estado de uma coisa lançada, estar estendido» (idem).
Sendo assim, deve dizer-se que jeito não é particípio passado de jazer, nem mesmo etimologicamente. Também não significa «deitado» nem «acomodado», ou seja, não exprime um estado; antes conserva o valor activo do radical de jacĭo. Na actualidade, essa interpretação activa é ainda válida em muitos contextos, associando-se um valor modal («ter jeito para alguma coisa» = «ter competência para fazer alguma coisa»). Em suma, as etimologias de jeito e jazer apontam para percursos morfológicos e semânticos diferentes.