Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Existem plurais de datas, meses e anos como "janeiros", "fevereiros", "marços", "abris", "maios", "junhos", "julhos", "agostos", "setembros", "outubros", "novembros", "dezembros", "25s de dezembro", "setes de setembro", "10s de dezembro", "primeiros de janeiros", "31s de dezembro", "12s de outubro", "noves de julho", "1999s", "2000s", "1800s", "2199s", "1945s", "1857s", "1776s", "2009s", "1971s", "2112s", "1983s", "2013s" e outros?

Resposta:

As regras da morfologia (flexão de plural) permitem o plural dos meses. Quanto aos numerais cardinais, se forem usados como substantivos, já a aplicação da regra tem limitações: temos um/uns, quatro/quatros, cinco/cincos, sete/setes, oito/oitos, nove/noves, onze/onzes, doze/dozes, treze/trezes, catorze/catorzes, quinze/quinzes, mas dois, três, seis e dezasseis são invariáveis; depois, noutros numerais a partir de vinte, é possível vinte/vintes, trinta/trintas, etc., mas estes, quando combinados com os numerais referentes às unidades (um, dois, três, etc.), parecem apresentar a marca de plural só no numeral correspondente às unidades, se este for flexionável («os vinte e setes» parece melhor que «os vintes e setes»).1

Para unidades de terceira ordem (centenas) e superiores (milhares, dezenas de milhares, etc.), a possibilidade de plural nos respectivos numerais torna-se teórica, uma vez que na prática mal se usam. Por exemplo, não vejo que o numeral cem se use no plural («os cens»?). São invariáveis os numerais terminados em -centos («o/os duzentos») e a forma mil («mil novecentos» e nunca *«mil novecento» ou *«miles novecentos» ou ), mas variáveis milhão, bilhão e

Pergunta:

Qual é a forma negativa da frase «Que pena que isto dá!»? É «Que pena que isto não dá!», ou «Isto não dá pena!»?

Resposta:

Não é possível a tradicionalmente chamada forma negativa. A frase «Que pena que isto dá!» é uma exclamativa parcial (ver Dicionário Terminológico), porque apenas um constituinte, «que pena», se vê afectado pela exclamação. Neste caso, em que o constituinte é de natureza nominal, não se pode construir a negação, porque esta pressupõe uma predicação verbal. Por outras palavras, não é possível negar apenas «que pena», mantendo a estrutura do resto da frase: *«Que não pena que isto dá» (o asterisco indica agramaticalidade). Além disso, mesmo que se recorra ao marcador de negação não, integrando-o na predicação que a frase encerra, ou seja, «que isto dá», obtém-se sempre uma leitura positiva: «Que pena que isto não dá!» equivale a «Que pena que isto dá!», ambas pressupondo a declarativa «Isto dá pena». Quer dizer que a negação em certo tipo de frases exclamativas é antes uma forma de intensificar o conteúdo das mesmas. Trata-se de uma área que ainda está a ser investigada, sobretudo no âmbito de certas correntes linguísticas mais recentes (ver M.ª Helena Mira Mateus, Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Editorial Caminho, pág. 479-487).

Pergunta:

Será correcto o uso em português dos termos "relentar", "relentamento"? Em que contextos?

Resposta:

Resultante da conversão do substantivo relento, «hmidade da noite, orvalho», o verbo relentar significa «amolecer com a humidade, com o relento», «formar-se ou cair relento», «cobrir-se de relento» (Dicionário Houaiss). Quanto a relentamento, trata-se de palavra que, não estando dicionarizada, se afigura como derivado possível de relentar e com o provável significado de «processo de relentar».

No entanto, em páginas da Internet, encontram-se ocorrências de relentamento na acepção de «atraso» ou «abrandamento». Este uso não é por enquanto aceitável, não se encontra dicionarizado, nem encontra sustentação semântica ou etimológica.

Pergunta:

Qual a origem da expressão «contas à moda do porto»? Deve escrever-se Porto por se tratar da cidade, ou porto por se tratar de um qualquer porto (para embarcações)?

É que ouvi uma explicação, que é aliás convincente, segundo a qual a expressão se refere não à cidade mas a um qualquer porto, já que os marinheiros, partindo cada um para o seu destino, fariam contas separadas, pois era grande a probabilidade de nunca mais voltarem a ver-se.

Resposta:

Não posso confirmar a explicação alternativa proposta pelo consulente. No Dicionário de Expressões Correntes, de Orlando Neves, e no Novo Dicionário de Calão, de Afonso Praça, apenas encontro, respectivamente, «contas do Porto» e «contas (à moda) do Porto», em ambos os casos ocorrendo a palavra Porto com maiúscula, o que sugere tratar-se da cidade.

Pergunta:

Pergunto se é possível usar a forma «vás chamar» como presente do conjuntivo em vez de chames, na seguinte frase: «Quero que tu me vás chamar, se precisares de ajuda» em vez de «Quero que tu me chames, se precisares de ajuda», ou «É possível que amanhã vá chover» em vez de «É possível que amanhã chova».

Obrigada.

Resposta:

Nos contextos apresentados, a ocorrência do verbo ir seguido de infinitivo não corresponde tipicamente ao seu uso como auxiliar no presente do indicativo. No primeiro contexto, ir + infinitivo pode ocorrer na oração subordinada substantiva completiva seleccionada por quero, embora com um valor não exactamente igual ao do indicativo («vais chamar»), que é o de futuro próximo:

1) «Sei que vais chamar-me em caso de necessidade» = «sei que me chamarás...»

2) «Quero que me vás chamar em caso de necessidade» = «quero que vás a determinado lugar para me chamar...»

Na frase 2, o valor semântico do verbo ir no conjuntivo revela-se muito próximo do do seu emprego como verbo principal, exprimindo movimento e intencionalidade, à semelhança de quando aparece em alguns tempos do indicativo que marcam o passado1: «Foste (pretérito perfeito)/tinhas ido (pretérito mais-que-perfeito) chamar-me sem necessidade.»

Já no segundo contexto, a aceitabilidade de «vá chover» é duvidosa, e, sem poder afirmar que é agramatical, não a recomendo por duas razões: por um lado, a locução verbal ir + infinitivo exprime o futuro próximo, estando-lhe associado um grau de certeza superior ao de «é possível»1; por outro lado, na perspectiva de ir marcar movimento e disposição para praticar uma acção como em 2, o traço animado pressuposto por este uso de ir não se afigura conciliável com o fenómeno atmosférico referido por chover e, sendo assim, resulta tão estranho dizer «é possível que vá chover» como «quero que vá chover» ou «ontem foi chover».

1 No pretérito imperfeito do ind...