Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

–Anda o bullying muito na berlinda ultimamente, não necessariamente pelos melhores motivos. Continuamos porém incapazes de nos referir a este comportamento através da língua portuguesa. É difícil criar termos novos, institucionalmente pouco há quem a isso se dedique, e os estrangeirismos entram na nossa língua a um ritmo cada vez mais elevado. O meu contributo vale por isso o que vale, no caso vertente.

Se considerarmos que o bullying é uma forma de assédio onde a intimidação se acompanha de uma forte componente de humilhação, por que não designar tal comportamento por «intimilhação»? Poderemos então falar do(a) «intimilhado(a)», do acto de «intimilhar», de comportamentos «intimilhantes», Poderá não ser esta a melhor forma de designar este comportamento. Que se proponha outra, mas que não se faça do português uma língua morta, incapaz de encontrar novas soluções linguísticas para reflectir novas realidades.

Resposta:

Fica aqui feita a proposta. Observe-se que este neologismo é constituído por uma amálgama, isto é, a associação de partes de outras palavras numa só palavra (inti-, de intimidar + -milhação, de humilhação). Não sei que fortuna pode ter esta nova palavra; sei é que há casos de amálgama (ver Margarita Correia e Lúcia San Payo Lemos, Inovação Lexical em Português, Lisboa, Colibri, 2005, pág. 44), como credifone (< «crédito para o telefone») e telemóvel (< «telefone móvel»), que mantêm certa transparência decorrente de necessidades comerciais; por outro lado, outras amálgamas existem, à semelhança de setor (< «senhor doutor»), que resultam da distorção de uma sequência de dois vocábulos e da sua generalização na comunidade escolar portuguesa, num processo colectivo semelhante ao que aconteceu com a formação de você (< «vossa mercê»). Fora destes âmbitos, e num plano criativo mais restrito ou de iniciativa individual, a criação de neologismos costuma ser criteriosa e lança normalmente mão de radicais gregos e latinos, formando compostos morfológicos, de acordo com certas regras, que não são acessíveis ao grande público.

Mas, concordando com o consulente quando este diz que o português deve saber usar os seus recursos, dou também a minha achega: e que tal empregar palavras já existentes? Poderíamos pensar em «assédio escolar», seguindo o exemplo francês, que, para traduzir bullying, criou a expressão «harcèlement scolaire» (= «assédio escolar; cf.<...

Pergunta:

Tendo lido já alguns textos sobre Land Arte, continuo com algumas dúvidas relativamente ao conceito de Land Art. Agradecia que me dessem o vosso conceito sobre este assunto.

Resposta:

Conceito do Ciberdúvidas não pode existir, porque a actividade deste sítio não se liga às áreas da história da arte e das artes plásticas. O que posso fazer é citar parte de um artigo disponível na Internet:

«Land Art, Earthworks ou Earth Art é um movimento artístico que emergiu nos Estados Unidos no fim da década de 60, princípios da década de 70, no qual a paisagem e o trabalho artístico estão inextrincavelmente ligados. As esculturas não são colocadas na paisagem; a paisagem é o principal meio de criação. Por vezes os trabalhos são realizados no espaço aberto e em alguns casos bem longe da civilização, onde ficam sujeitos à erosão e a condições naturais do clima.»

O termo land art poderia ser traduzido por «arte da terra», mas este não é termo que esteja consagrado na crítica especializada dos países de língua portuguesa.

Pergunta:

Qual a função sintática de «para os Estados Unidos» na frase: «O visto para os Estados Unidos não saiu»? Seria complemento nominal, ou adjunto adverbial?

Resposta:

Parece-me que há duas análises possíveis:

A. «para os Estados Unidos» é complemento nominal porque visto selecciona vários argumentos correspondentes a:
– quem pediu o visto;
– quem emite o visto;
– o país ao qual se destina o visto.

Estes complementos não são de uso simultâneo: «O visto do João para os Estados Unidos»; «O visto da embaixada»; «O visto para os Estados Unidos».

B. A expressão é um adjunto adverbial, porque exprime uma finalidade que não é obrigatório enunciar no uso da palavra visto; p. ex.: «O visto do João para os Estados Unidos»; «O visto do João, que, esclareça-se, lhe permitirá viajar para os Estados Unidos».

Pergunta:

Algumas dúvidas já esclareci com outras questões, mas mantenho algumas. Como saber se determinada palavra existe no caso dos graus dos nomes? Por exemplo, das palavras ovo, doce e chocolate. O que é aceitável?

E na família de palavras de flor existe "florzona"? Podem dizer-me as palavras desta família? Tive respostas tão variadas como florinha, florona, florão, floresta, Florinda, floreta...

Obrigada pela ajuda.

Resposta:

Já aqui nos temos referido ao uso dos diminutivos e dos aumentativos. O critério é este: em princípio, todos se usam se as palavras que constituem a sua base, isto é, as palavras no grau normal, têm uma estrutura adequada à formação de tais formas. Como estes diminutivos e aumentativos têm uma formação regular, por adjunção dos sufixos mais correntes, que são  -inho ou -ito e -ão ou -zinho ou -zito e -zão, não estão dicionarizados. Além disso, o seu uso é pontual, o que significa que são formados muitas vezes para satisfazer uma necessidade expressiva: é assim que, em certas situações, por exemplo, quando se interage com uma criança, é possível construir formas que nem sempre parecem soar bem (não são eufónicas), como "cãozão". Justamente para suprir estes casos menos estáveis, há certo número de formas, sobretudo aumentativos, que se fixaram na língua e que até adquiriram acepções autónomas, ou seja, diferentes do significado da palavra original; tudo isto explica que jarrão seja um tipo de jarro e que também se prefira canzarrão a "cãozão", embora, repita-se, esta forma não seja impossível em contextos muito restritos.

Ora bem, nos casos apontados pela pergunta, não há qualquer dificuldade na formação dos diminutivos: ovinho, docinho e chocolatinho são os diminutivos mais previsíveis de ovo, doce, e chocolate, respectivamente. Quantos aos aumentativos correspondentes, já há mais dificuldade, até porque estas palavras tendem com frequência...

Pergunta:

Diz-se «Eles foram unânimes em considerar que...» e/ou «Eles foram unânimes ao considerar que...»?

Resposta:

Usam-se as duas construções:

1 – «Eles foram unânimes em considerar que...»

A sequência 1 é parafraseável por «unânimes no acto de considerar...». Neste caso, a preposição em constitui regência de unânime, podendo também ser seguida de uma expressão nominal que designa a situação sobre a qual houve unanimidade: «Eles foram unânimes na condenação desse ataque militar.»

2 – «Eles foram unânimes ao considerar que...»

Esta sequência é equivalente a «Eles foram unânimes quando consideraram que...». A oração de infinitivo «ao considerar...» não depende do adjectivo unânime.

Há também a possibilidade de empregar a preposição sobre ou a locução prepositiva quanto a antes de expressão nominal, como ocorre em 3:

3 – «Eles foram unânimes sobre a/quanto à gravidade desse ataque militar...»