Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Estou a rever um resumo de mestrado, e a colega usou a seguinte frase: «Este trabalho visa estudar..., constituindo-se um estudo exploratório.» O uso do reflexivo está correcto? Não seria necessário escrever «constituindo-se como um estudo» ou, em alternativa, «constituindo um estudo»? Reparei que há diversas ocorrências com esta expressão na Internet, mas são sobretudo de páginas em português do Brasil. Alguém poderia esclarecer-me esta situação?

Muito obrigada!

Resposta:

Seria necessário escrever como propõe: «constituindo-se como um estudo exploratório»; «constituindo um estudo exploratório». De acordo com o Dicionário Houaiss, a forma constituir-se é usada com as preposições de e em:

«Um plenário que se constitui de 376 parlamentares.»

«Sua vida constitui-se em exemplo a ser seguido.»

Pergunta:

Em que casos seguir não é o mesmo que continuar?

Resposta:

Os dois verbos são sinónimos quando significam «prolongar (caminhada, tarefa)»: «ele seguiu/continuou o seu caminho». Deixam de o ser, quando seguir é usado na acepção de «ir», «ir atrás de» e «obedecer».

Consultando um dicionário geral, por exemplo, o Dicionário UNESP da Língua Portuguesa (ed. Francisco S. Borba), encontram-se as seguintes definições dos verbos continuar e seguir (excluí as expressões idiomáticas):

A. continuar

verbo transitivo

1. não interromper; prosseguir: Temos de continuar esse trabalho.

2. retomar: Amanhã continuaremos essa conversa.

3. prolongar; estender: O sitiante mandou continuar a cerca até perto do rio.

4. (com predicativo) permanecer; manter-se: As obras continuam paradas.

verbo intransitivo

5. prolongar-se; durar: Segundo a meteorologia, as chuvas vão continuar.

verbo auxiliar (+ gerúndio ou + a + infinitivo)

6. indica continuidade daquilo que o verbo expressa: A criança continuava chorando. A temperatura continua a subir.

B. seguir

verbo transitivo

1 continuar, prosseguir: Nós o chamámos, mas ele seguiu o seu caminho.

2 percorrer: Seguimos a trilha por horas.<...

Pergunta:

Queria saber os elementos morfológicos da palavra estavam, e também qual é seu radical, vogal temática, desinência modo-temporal e desinência número-pessoal.

Resposta:

A forma estavam é a terceira pessoa do plural do imperfeito do indicativo do verbo estar e analisa-se morfologicamente do seguinte modo:

est-: radical;

-a-: vogal temática;

-va-: desinência modo-temporal ou sufixo de tempo-modo-aspecto (ou característica na terminologia tradicional);

-m: desinência ou sufixo de número-pessoa (terceira pessoa do plural).1

1Sobre a análise morfológica da flexão verbal, ver M.ª Helena Mira Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa (Lisboa, Editorial Caminho, 2003, págs. 931-938).

Pergunta:

«As crianças com menos de 12 anos de idade e menos de 150 cm de altura devem ser seguras por sistema de retenção homologado» é parte de uma norma do Código da Estrada (55.º n.º 1). Quer isto dizer que uma criança com 12 anos ou mais e menos de 150 cm — ou a inversa: menos de 12 anos e mais de 150 cm — também deve usar sistema de retenção, ou já não precisa de o usar? Do ponto de vista estritamente linguístico, qual é o significado da partícula conjuntiva e nesta frase?

Obrigado.

Resposta:

A conjunção e tem valor aditivo, pelo que a expressão se refere a crianças que reúnam as duas características seguintes:

A. Ter menos de 12 anos.

B. Ter menos de 150 cm de altura.

Espera-se, portanto, que as crianças visadas tenham características que satisfaçam as duas condições. Quer isto dizer não precisam de usar sistema de retenção:

a) crianças com idade igual ou superior a 12 anos e menos de 150 cm;

b) crianças com menos de 12 anos e mais de 150 cm.

Como a idade é muitas vezes critério de aplicação de uma norma de segurança, pode afigurar-se estranho que um maior de 12 anos de pequena estatura tenha obrigatoriamente de usar um sistema de retenção. Se for esse o problema do texto normativo, parece-me que se poderia dar outra redacção, dizendo que «só as crianças com menos de 12 anos de idade que tenham menos de 150 cm de altura devem ser seguras por sistema de retenção homologado».

Pergunta:

A UAI decidiu em 2006 retirar a Plutão o estatuto de planeta e criou uma nova classe chamada dwarf planets em inglês e cujo termo serve para descrever um corpo que não é considerado um planeta mas que partilha algumas características. Houve até uma altura em que as próprias luas eram referidas como «planetas menores». A palavra em português para descrever esta classe de corpos mais usada é «planeta anão». Deverá, ou não, levar hífen? E qual será a melhor forma plural?

Resposta:

O hífen não é obrigatório porque a expressão é constituída pelo substantivo planeta e pelo adjectivo que o qualifica, anão. O hífen só aparecerá se a expressão passar a constituir um todo semanticamente autónomo, indecomponível nas significações dos seus constituintes, como acontece no caso do contraste entre segunda-feira («amanhã é segunda-feira») e «segunda feira» («esta é a segunda feira que se realiza aqui este ano»).

O plural de «planeta anão» segue a regra geral da concordância (o adjectivo concorda com o substantivo que qualifica): «planetas anões».