Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Já encontrei no vosso site (que é de grande interesse) várias referências a este problema, mas não encontrei referido nada em relação ao significado de impacte/impacto. Eu sou estudante de Engenharia do Ambiente e como tal estamos habituados a lidar com «impactes/impactos ambientais» e existe "guerra aberta" entre quem usa uma forma ou outra da palavra. Segundo uma das explicações que uma professora me deu (defensora do uso de impacte, devo acrescentar) quando se fala de impacto — na Engenharia e Física — falamos da grandeza física de dois corpos que colidem, ou seja, impacto está ligado ao mundo da física e, particularmente, os impactos ambientais estão ligados apenas às consequências físicas para o meio de determinado projecto, sendo que impacte seria o conjunto destas consequências físicas com as socioeconómicas.

Eu não tenho qualquer tipo de interesse nesta "guerra", apenas gostaria de saber qual deve ser a forma usada em português correcto. «Impacto», ou «impacte ambiental»?

Resposta:

A forma impacte como alternativa a impacto encontra-se atestada só em dicionários gerais publicados em Portugal, mas sem estes confirmarem claramente o contraste semântico apontado pelo consulente. Por exemplo, o Dicionário de Língua Portuguesa da Porto Editora (DLPPE) acolhe impacte, «efeito forte provocado por algo ou alguém; impacto», e impacto, em quatro acepções: 

«1. choque de dois ou mais corpos, embate, encontrão
2. colisão entre dois corpos, com a existência de forças relativamente grandes durante um intervalo de tempo muito pequeno
3. (figurado) abalo provocado por um acontecimento doloroso ou chocante
4. (figurado) impressão profunda provocada por uma ocorrência grave ou inesperada» 

À primeira vista, dir-se-ia que impacto é relativo a um choque encarado como evento, enquanto impacte se aplica ao efeito desse choque. Mas, na verdade, quando observo as acepções 3 e 4, sou levado a concluir que também a noção de efeito se associa a impacto. Em suma, o contraste entre as duas formas não parece semântico. Porém, a expressão «impacte ambiental» é susceptível de apontar para a cristalização do uso impacte nesse contexto, com a seguinte definição:

«conjunto das alterações produzidas pelo Homem a nível ambiental numa determinada área que afectam directa ou indirectamente o bem-estar da população assim como a qualidade dos recursos ambientais»

Contudo, o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa acolhe «impacto ambiental», o que sugere que nem sequer nesta expressão se consegue inferir que entre impacte e

Pergunta:

De onde veio o nome Nídia, de que país?

Resposta:

José Pedro Machado, no seu Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, explica assim a origem deste nome:

«Nome de personagem do romance Os Últimos Dias de Pompeia (1834), de lorde Bulwer-Lytton (1803-1873). Não sei como este o criou. Há o masc[ulino] Nídio [...].»

O sítio Behind a Name, dedicado à etimologia dos nomes próprios ingleses, regista a forma Nydia, que está na origem de Nídia. Infelizmente, pouco acrescenta ao que diz Machado, quando, sem outros esclarecimentos, apenas aventa a hipótese de o nome ter origem no latim nidus, «ninho».

Pergunta:

Sou estudante de Direito, redigindo meu trabalho de conclusão de curso (monografia) e estou com dificuldades de encontrar a origem da palavra "res". Há nos dicionários rés e rês, mas não "res". Sei que "res" é palavra de origem estrangeira, mas preciso estar certa do que vou dizer para citar em meu trabalho científico. Geralmente nos utilizamos do latim e do grego em nossos livros, talvez até seja de alguma dessas línguas, mas não consegui descobrir. Juridicamente, definimos "res" como coisa. Mas preciso primeiro explicar a origem da palavra para, então, chegar ao seu significado.

Agradeço muito se puderem me ajudar.

Resposta:

A palavra em questão é latina, pelo que não tem de ter entrada num dicionário geral de língua portuguesa. No entanto, num dicionário como o Dicionário Houaiss pode encontrar informação sobre ela, quer nos apontamentos etimológicos de palavras portuguesas como república, real e reivindicação quer no verbete da entrada re(i)-, elemento de composição detectável nessas palavras. Por isso, podemos saber que «[...] res, rei [significa] "bem, propriedade, coisa, assunto, negócio"; ocorre em voc[ábulo] formado no próprio lat[im], como república (doc[umentado] na língua desde o sXV [...]), e em cultismos do sXIX em diante: irreal, irrealidade; real "verdadeiro", realidade, realismo, realista, realização, realizador, realizável, realizar; reificação, reificado, reificador, reificar, reificável, reivindicação, reivindicar, revindi{#c|}ta; surrealismo, surrealista» (Dicionário Houaiss).

Pergunta:

Desejo saber como se pronuncia «tempus edax rerum».

Resposta:

Segundo o Moderno Dicionário Michaelis da Língua Portuguesa, a expressão latina «tempus edax rerum» significa «tempo devorador das coisas» e é da autoria do poeta Ovídio (Metamorfoses, XV, 234). 

Três pronúncias são possíveis:

a) tradicional: pronuncia-se como se se tratasse de uma sequência escrita em português, mas com o "x" a valer [ks];

b) eclesiástica: o s de tempus soa sibilante ("tempuss"), o x, [ks], e o -m de rerum é articulado como consoante ("rérume"), não sendo marca de nasalidade (não se diz "rerũ");

c) restaurada: no caso desta expressão, soa praticamente como a pronúncia descrita em b).

Nas três formas de pronunciar, o acento tónico de cada palavra recai sempre na penúltima sílaba: «têmpus édax rérũ» (pronúncia tradicional) ou «témpus édax rêrum» (pronúncias eclesiástica e restaurada).

Pergunta:

«Apesar disso ainda há gente tonta que imagina que/

Se possa continuar a governar/

Com as artimanhas da velha política/

Quando assumirmos o poder faremos tudo para que...»

Cito um extracto de uma tradução de um pequeno texto-brincadeira que circula na Internet. Lido do princípio para o fim, tem um sentido; lido do fim para o princípio, revela sentido inverso. Para tal, deve respeitar-se a mudança de linha e escolher estruturas que permitam a brincadeira em português. A dificuldade está aqui: se se respeita a gramática e se escreve "gente tonta que imagina que se pode governar", ou seja, o verbo imaginar seguido, como é correcto, de verbo no indicativo, a leitura do fim para o princípio não é possível. Pensei assinalar aos meus estudantes que, neste caso, se poderia recorrer ao erro que por vezes é cometido na língua corrente. O que vos parece? Demasiado artificial? Obrigada pela vossa resposta.

Resposta:

O verbo imaginar pode seleccionar uma oração completiva finita, cujo verbo pode estar no indicativo ou no conjuntivo (informação e exemplos de Winfried Busse, Dicionário Sintáctico de Verbos Portugueses, Coimbra, Livraria Almedina, 1994):

1. «Pois, olha, eu imaginava que ainda estavas a viver com os teus pais.»

2. «Imaginava que ainda estivesses em Lisboa – Que surpresa!»

Não há, portanto, desrespeito da gramática aquando se escreve «gente tonta que imagina que se possa governar...», se com a frase se quer reforçar o carácter imaginário do conteúdo da completiva. É este uso que permite a leitura do fim para o princípio da sequência que apresenta.1

1 Devo assinalar o carácter truncado do texto-brincadeira, na leitura do princípio para o fim, porque à sequência «Quando assumirmos o poder faremos tudo para que...» falta acabar a oração subordinada final introduzida por «para que».