Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

A respeito do comentário em «O Nosso Idioma» Bitaite e bitaitar, de Paulo J. S. Barata, hoje, temos no Brasil uma palavra de significado semelhante, também de origem obscura, tida como regionalismo paraibano, mas que nenhum brasileiro desconhece: é o "pitaco", a opinião dada por quem, normalmente, conhece pouco ou nada de um assunto, mas que faz questão de palpitar, geralmente com disparates. Teria algo a ver com o sábio grego Pitacòs, que era useiro e vezeiro em criar citações sobre assuntos os mais variados, mormente sobre comportamento? Curiosamente, os dicionários gerais brasileiros ainda não a registram.

Resposta:

De facto, a palavra não se encontra registada nos dicionários gerais consultados (Houaiss, Aulete Digital, Moderno Dicionário da Língua Portuguesa Michaelis, Priberam). No entanto, o Wikcionário acolhe-a:

«Palpite nem sempre fidedigno. Intromissão em conversa alheia. Coisa de palpiteiros e intrometidos.»

Também não posso confirmar a etimologia proposta, apesar da sua plausibilidade. Há quase identidade fónica entre pitaco e o antropónimo Pítaco, mas existe também certa relação semântica, visto a figura assim chamada ter ficado conhecida pelas suas sentenças. Mas importa referir a disponibilidade em espanhol do vocábulo pitaco, «caule da piteira», que poderia ter alguma relação com a palavra paraibana, no contexto da colonização ibérica da América do Sul.

1 Forma recomendada. Cf. M.ª Helena T. C. Ureña Prieto et al. Do Grego e do Latim ao Português, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian/Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, 1995, pág. 161.

Pergunta:

Após ler seu artigo sobre o assunto, continuo na dúvida sobre a tradução de um termo em inglês que deverá se repetir muitas vezes role-model (profissional, empresa, candidato, organização, etc.).

1. Devo usar hífen, ou não?

2. Como fica a flexão no plural?

Ex.: «profissionais(-)modelo», ou «profissionais(-)modelos»;

«candidatos(-)modelo», ou «candidatos(-)modelos»;

«empresas(-)modelo», ou «empresas(-)modelos»?

Estes termos serão usados em todo o material de comunicação da empresa, daí a minha preocupação em evitar erros crassos.

Desde já agradeço.

Resposta:

1. A pergunta que faz diz respeito à gramática da língua inglesa. Da consulta de três dicionários de inglês — dois britânicos, o Oxford Advanced Learner´s Dictionary e o Cambridge Advanced Learner´s Dictionary, e um norte-americano, o Merriam-Webster —, verifica-se que a palavra se escreve sem hífen: role model. A palavra tem a flexão de plural mais generalizada em inglês, com -s, no segundo elemento do composto: role models.

2. Quanto aos exemplos portugueses, segue-se o critério definido pelo Dicionário Houaiss para uso de modelo em compostos relativos a estabelecimentos:

«seguindo um subst[antivo], ao qual se liga por hífen, é um determinante específico invariável e significa "estabelecimento que, pela excelência de seu trabalho ou serviços, serve de padrão a outros" (escola-modelo, fazenda-modelo).»

Este critério é generalizável a substantivos designativos de pessoas, referindo-se modelo a «pessoa que, pela excelência, das suas qualidades morais ou profissionais, serve de padrão a outros: profissionais-modelo, candidatos-modelo. Nestes casos, o segundo elemento nominal do composto mantém-se no singular porque especifica o conteúdo semântico do primeiro elemento, definindo um tipo de profissional, candidato ou empresa.

Para que se considerassem adequadas as formas em que o segundo passa ...

Pergunta:

Uma vez mais recorro ao Ciberdúvidas, desde já agradecendo a vossa ajuda.

Respondendo à pergunta 22 472, é dada a seguinte definição de atrelado (semelhante à de alguns dicionários que consultei): «veículo sem motor rebocado por outro».

Gostava de saber se não pode também utilizar-se atrelado para um veículo sem motor rebocado por um animal. Não podendo, pedia-vos que me indicassem uma palavra para esse tipo de veículos (isto é, que abranja carroças, coches, etc.).

Resposta:

Nos dicionários gerais que consultei, o substantivo masculino atrelado é um veículo sem motor puxado por outro, motorizado:

Dicionário Priberam: «Plataforma para carga que se atrela ao camião ou ao tractor»; «Caravana que se atrela ao automóvel.»

Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora (versão em linha): «veículo sem motor rebocado por outro.»

O Dicionário Houaiss (edição brasileira de 2001) assinala este uso de atrelado como um lusismo: «Regionalismo: Portugal. que ou o que não tem tração própria e é acionado por outro (diz-se de veículo); reboque, trailer

Para o termo hiperónimo de palavras coche ou caleche, poderá usar-se carruagem, definida no Houaiss como «veículo de quatro rodas sobre molas, de tração animal, para transporte de passageiros». Trata-se de vocábulo também registado no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa e no Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado.

Note-se, contudo, que, tendo em conta os dicionários consultados, não há termo de uso corrente que abranja os veículos não motorizados sem molas, como uma simples carroça. Quanto ao uso de veículo e carro, o seu valor é demasiado genérico, porque os respectivos referentes podem compreender todos os tipos de veículos, motorizados ou não. A menos que, para colmatar tal falta neste subsistema lexical, se pudesse considerar, a título de sugestão que não verifico estabelecida na língua qu...

Pergunta:

Quanto à consulta Sobre a classe de palavras de o antes de pronome possessivo, no trecho em que segue parte da resposta:

Quanto às hipóteses formuladas, mesmo considerando válidas as hipóteses 1a) e 1b), trata-se de análises que não encontro exploradas na literatura. Permita-se-me acrescentar que não vejo como em 1a) a forma o é apenas artigo definido e adjunto adnominal de um substantivo subentendido e em 1b) não é: na verdade, poderíamos sempre supor que a forma o é um demonstrativo, porque pressupõe uma construção como «o que é meu livro» equivalente a «aquilo que é meu livro», por sua vez, adaptável como «aquilo que é meu», com substantivo subentendido.

As frases eram: «Esse livro é igual ao meu»/«O seu livro é igual ao meu».

A dúvida era: «O pronome meu nas duas frases seria um pronome adjetivo, ou substantivo?»

As hipóteses eram:

1) No caso de se considerar o «meu» nas frases anteriormente citadas como um pronome possessivo adjetivo, haveria duas possibilidades para tal. a) O «meu» estaria adjetivando um substantivo subentendido no contexto, e o «o» seria um artigo definido, e tanto o artigo «o» como o pronome adjetivo «meu» desempenhariam a função de adjuntos adnominais do substantivo subentendido. b) O «meu» serviria como um pronome adjetivo posposto ao pronome substantivo demonstrativo «o», e assim estaria o adjetivando.

2) No caso de se considerar o «meu» nas frases anteriormente citadas como um pronome possessivo substantivo, haveria somente a possibilidade de se entender o «o» como artigo definido que substantiva o pronome, uma vez que se o «o» for entendido, nesse contexto de consideração, como um pronome demonstr...

Resposta:

1. A resposta em causa foi entretanto reformulada, porque, segundo M.ª Helena Mira Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa, 2003, as estuturas «o meu» ou «aquela outra» correspondem a elipses.

2. O que as descrições disponíveis apresentam é que o demonstrativo é um determinante tal como o artigo, não recebendo adjectivação. Mesmo no casos em que acompanha o possessivo (seja este pronome adjectivo ou pronome substantivo), considera-se sempre se trata de um determinante: «aquele meu carro» e «aquele meu».

3. O caso com a associação do determinante indefinido outro com o demonstrativo é semelhante: considera-se que se trata de um reforço do indefinido, e não de uma maneira de determinar o demonstrativo.

Pergunta:

Na palavra contra-revolucionário, contra é, ou não, um prefixo? Eu não o vejo como tal, visto existir, no nosso léxico, a palavra contra, tendo ela uma autonomia de que não gozam os prefixos (Ex.: «Ele manifestou-se contra a posição oficial da Igreja»). Nesta minha perspetiva, a palavra contra-revolucionário seria formada por composição. Ora, à luz do novo Acordo Ortográfico, as palavras compostas onde «não se perdeu a noção de composição» mantêm o hífen, pelo que me parece que se deva grafar contra-revolucionário (contrassenso já não teria hífen, porque se perdeu a noção de composição da palavra).

Agradeço, desde já, a atenção dispensada.

Resposta:

No que toca à formação de palavras, a classificação de contra não tem sido uniforme. Por exemplo, antes da aplicação do Acordo Ortográfico de 1990, a edição de 2001 do Dicionário Houaiss regista contra- como elemento de composição, mas a edição de 2009 do mesmo dicionário, na qual já se aplicam as novas regras, indica que o mesmo elemento é um prefixo. Penso que esta mudança se deve ao facto de contra se contar numa lista de prefixos na Base XVI, 1.º.: «Nas formações com prefixos (como, por exemplo: ante-, anti-, circum-, co-, contra-, entre-, extra-, hiper-, infra-, intra-, pós-, pré-, pró-, sobre-, sub-, super-, supra-, ultra-, etc.)...»

No entanto, observe-se que duas gramáticas tradicionais, a Moderna Gramática Portuguesa (pág. 366), de Evanildo Bechara, e a Nova Gramática do Português Contemporâneo (pág. 87), de Celso Cunha e Lindley Cintra, já classificavam contra- como prefixo. Além disso, note-se que contra- tem duas acepções, conforme se pode consultar no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa: «oposição, em frente de», como em contratorpedeiro, contraveneno; e «grau inferior a outro», como em contra-almirante e contramestre. Dado que estas duas acepções são atribuídas a uma mesma forma, contra-, sem pressuporem o contraste entre duas unidade linguísticas homónimas (contra, preposição, «em frente de» vs. contra- «grau inferior a outro»), conclui-se que co...