Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual o plural de situação-problema? Situações-problema, ou situações-problemas?

Resposta:

Muito depende do contexto e da intenção comunicativa, pois existem duas possibilidades para o plural de situação-problema:

a) situações-problema: trata-se de situações problemáticas.

b) situações-problemas: trata-se de realidades que são simultaneamente situações e problemas.

Penso que é mais frequente ocorrer a forma a), porque esta permite identificar um tipo de situação. Mas esta é uma questão que tem mais que ver com a congruência entre a linguagem e o mundo a representar por meio da mesma.

Sobre a relação semântica entre os elementos de um composto, já tive oportunidade de dar resposta, por exemplo, aqui.

Pergunta:

Um especialista em cogumelos, para além de micologista ou micólogo, pode ser nomeado como micetólogo ou micetologista?

Resposta:

Pode. Micetólogo e micetologista são palavras dicionarizadas como sinónimos de micólogo e micologista (cf. Dicionário Houaiss e Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado). Integrando os mesmos elementos de composição que micetólogo e micetologista, existe micetologia, também registado como sinónimo de micologia, «estudo dos fungos» (Dicionário Aulete Digital).

Note-se que o elemento micet-, que ocorre em micetologia, é uma forma alternativa do elemento mico- de micologia: com efeito, ambos os elementos, frequentes nas terminologias das biociências e fisiociências do século XIX (Dicionário Houaiss), provêm do grego múkēs, ētos, «cogumelo, fungo, excrescência assemelhável» (idem).

Pergunta:

Tenho duas dúvidas em relação à seguinte frase: «O Sindicato, junto com os trabalhadores, reuniu-se com a diretoria da empresa.»

Primeiro, a expressão «junto com» é redundante? Não deve ser usada?

Segundo, o verbo fica no singular, ou deve ir para o plural?

Resposta:

1. «Junto com»

A locução pode ser redundante, mas o certo é que se encontra registada em vários dicionários. Por exemplo, no Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, figura como subentrada de junto, com o sentido de «juntamente», «simultaneamente». Também no Dicionáro Unesp do Português Contemporâneo se atesta o uso de «junto com»: «– Quero morrer junto com você, disse a moça transtornada.»; «Junto com a bebida derramada, o suor empapava-lhe a camisa.» Nos exemplos transcritos, embora ao primeiro se possa atribuir características do discurso popular, não se reconhece o mesmo tipo de registo no segundo. Deste modo, não vejo que a locução esteja incorreta, até porque a redundância nem sempre é critério de correção, podendo até ser aceite por questões de ênfase.

2. Concordância

Tendo em conta que «junto com» é, muitas vezes, o mesmo que com, como sucede na frase em questão, a concordância com um sujeito composto, que inclua tal construção, deve fazer-se conforme descreve Evanildo Bechara na sua Moderna Gramática Portuguesa (Rio de Janeiro, Editora, Lucerna, 37.ª edição, pág. 556; itálico do original):

Se o sujeito no singular é seguido imediatamente de outro no singular ou no plural mediante a preposição com, ou locução equivalente, pode o verbo ficar no singular, ou ir ao plural para realçar a participação simultânea na ação:

"El-rei, com toda a corte e toda a nobreza, estava fora da cidade, por causa da peste em que ...

Pergunta:

Ficaria muito agradecida se me ajudassem a analisar sintaticamente a frase: «Ele garantiu um lugar de destaque na história nacional.»

O complemento circunstancial é temporal, ou de lugar? O predicado verbal engloba também o complemento circunstancial? Estou confusa...

Resposta:

As perguntas feitas parecem ainda enquadrar-se na tradição da análise gramatical praticada em Portugal até há alguns anos. Note-se, porém, que mais recentemente neste país, no âmbito dos ensinos básico e secundário, é o Dicionário Terminológico (DT) que vigora como instrumento auxiliar do ensino da gramática.

1. O constituinte «na história nacional» é de facto um complemento circunstancial de leitura ambígua, porque pode ser interpretado tanto locativa como temporalmente:

a) «na história nacional»: «na narrativa do passado de um país»

b) «na história nacional»: «no passado de um país»

Mas não é necessário que a consulente se sinta confusa ou preocupada. A ambiguidade ocorre frequentemente português, como noutras línguas.

2. Quanto à segunda questão, era também tradicional considerar que o predicado verbal incluía o verbo e os seus complementos, não abrangendo os complementos circunstanciais. Atualmente, seguindo o DT, considera-se que o predicado engloba o verbo com os seus complementos e modificadores.

Pergunta:

Gostava de saber se está correcta a seguinte expressão (entregando, por exemplo, uma nota de 20 euros a um empregado de mesa, dizer...): «Pague-se de 10 euros.»

Resposta:

É correta a construção «paga-se de». Usa-se no sentido de «receber determinada quantia correspondente ao preço de uma mercadoria, de um bem, de um serviço», conforme se lê no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, em subentrada do verbete dedicado ao verbo pagar. Da mesma fonte, transcrevo o seguinte exemplo: «Pagou-se do café e devolveu-me o troco.»