Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Há uns dias estive a rever os valores dos pronomes e surgiu-me uma dúvida: os pronomes pessoais inerentes desempenham alguma função sintáctica na frase? E, já agora, uma questão sobre classes de palavras. Na frase «Estes alunos tiveram 20 valores no teste e os outros tiveram 18», qual a classe de os? Outros é pronome demonstrativo; e os? Os pronomes podem ser precedidos de artigos definidos? Em «Este é o meu», o é artigo definido. Certo?

Resposta:

1. Os pronomes inerentes não desempenham qualquer função sintática na frase.

2. Considera-se que em expressões como «os outros» e «o meu» ocorre uma elipse («os outros alunos», «o meu livro»), pelo que as formas os e o são classificadas como artigos definidos.

Pergunta:

Na frase «ele ficou furioso», o verbo é copulativo.

Na frase «ele ficou em casa», o verbo continua copulativo?

Resposta:

À luz da análise sintática que decorre do Dicionário Terminológico (DT), o verbo ficar é copulativo em ambas as frases. Com efeito, na perspetiva do DT, o predicativo do sujeito pode ser realizado por um grupo nominal («ficou um homem»), um grupo adjetival («ficou furioso»), um grupo preposicional («ficou em casa») ou um grupo adverbial («ficou aqui»).

Pergunta:

Na frase «Ela vendeu artigos de primeira e artigos de segunda», primeira e segunda pertencem a que classe e subclasse de palavras no NPP?

Resposta:

Embora a consulente não indique claramente o significado da sigla NPP, suponho que está a referir-se aos novos programas do ensino básico de Portugal. A classificação das palavras em questão é feita de acordo com o Dicionário Terminológico, uma vez que este documento constitui uma das referências de enquadramento do conteúdo desses novos programas. Sendo assim, e considerando que primeira e segunda ocorrem como elipses, respetivamente, de «primeira classe» e «segunda classe», direi que se trata de adjetivos numerais.

Pergunta:

Cidadão é substantivo.

Também pode ser adjectivo, como diz o Portal da Língua, a Infopédia, etc.?

Desde quando, tal novidade?

Não será cópia/influência do castelhano (ciudadano/a, com efeito, com os dois valores)?

Resposta:

O Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, na sua edição de 1991 pelo Círculo de Leitores, regista a forma cidadão quer como substantivo quer como adjetivo. Quanto a o uso adjetival ser resultado de empréstimo do espanhol, nada posso afirmar. No entanto, tal hipótese parece-me pouco provável, tendo em conta que o dicionário de José Pedro Machado tem edições anteriores a 1991 e que, nessa altura, a pressão comercial e linguística de Espanha era, em Portugal, menor do que hoje. Além disso, em textos oitocentistas, encontram-se algumas ocorrências adjetivais da forma feminina, cidadã (frases retirados do Corpus do Português de Mark Davies e Michael Ferreira; mantive a ortografia original):

(1) «[S]em advertirmos, que não ha hoje, nem houve nunca nação alguma verdadeiramente polida, que não fizesse, ou faça consistir o ponto fundamental de uma educação liberal, e cidadã, no apurado conhecimento da sua propria linguagem...» (Francisco Freire de Carvalho, Lições)

(2) «Foi uma indiscrição mandar tocar a campainha. Esqueci-me de prevenir que lhe respeitassem a indolência cidadã.» (Júlio Dinis, A Morgadinha dos Canaviais)

De qualquer modo, não disponho de dados que confirmem ou infirmem uma  influência castelhana, que, não sendo impossível, teria de ser confrontada com a maior probabilidade interferência do francês, língua hegemónica no plano cultural até princípios do século XX, ou do inglês, hoje língua franca em diferentes domínios de expressão e atividade.

Pergunta:

Uma amiga minha, jornalista e tradutora uruguaia, consultou-me sobre a expressão finca-ratunha («Até parece que é por finca-ratunha!»). Confesso o meu desconhecimento. Podem ajudar?

Resposta:

Trata-se de um provincianismo trasmontano, que quer dizer «de má-fé», «de propósito», «para arreliar».

É assim que a expressão se encontra registada no Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado (edição da Sociedade da Língua Portuguesa, 1958). Com a variante, também, «de finca-rabunha», conforme a abonação de Guilherme Augusto Simões no seu Dicionário das Expressões Populares Portuguesas (D. Quixote, 1994), tendo por fonte a edição de 1922 do Novo Dicionário da Língua Portuguesa, de Cândido de Figueiredo.