Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Agradeço-lhes o link que me enviaram, mas a minha dúvida persiste, pois tanto nas linguagens atuais literária e corrente como em vários livros com exercícios gramaticais as formas verbais traze-lo ou faze-lo nao existem, ou seja, usa-se a mesma forma verbal para a segunda pessoa do singular do presente do indicativo e para o imperativo; Trá-lo ou Fá-lo. A título de exemplo cito o livro de Leonel Melo Rosa, Vamos Lá Continuar!, na página 91, exerc. 25:

«Trazes o disco logo à noite?» < «Trá-lo.»

Será que me podem esclarecer?

Resposta:

As formas da conjugação pronominal dos verbos em questão são mesmo traze-lo e faze-lo, na segunda pessoa do presente do indicativo. Na Moderna Gramática Portuguesa (Rio de Janeiro, Editora Lucerna, 37.ª edição, pág. 265/266), de Evanildo Bechara, e no Dicionário de Verbos Conjugados (Coimbra, Livraria Almedina, 1995, pág. 34/35), nada aponta para que os verbos irregulares trazer e fazer tenham formas diferentes na segunda pessoa do singular, associadas a pronomes átonos de terceira pessoa. Trá-lo e fá-lo são formas da conjugação pronominal, correspondentes à segunda pessoa do singular do imperativo de trazer e fazertraz e faz (antigo traze e faze, respetivamente; cf. Dicionário Houaiss).

Pergunta:

Na frase «Ela foi muito triste pelo mundo», tendo em conta que o verbo é ir, e não ser, não se tratando portanto de um verbo copulativo, preciso de saber qual a análise sintática de «triste».

Será atributo, ou complemento circunstancial de modo?

Resposta:

Na análise gramatical anterior à que atualmente decorre da elaboração e fixação do Dicionário Terminológico (DT) em Portugal, existia alguma dificuldade em classificar o constituinte sintático em questão, o que poderia levar, em contexto escolar, a classificar o caso de «muito triste» como complemento circunstancial de modo.1 No entanto, mesmo na perspetiva tradicional, embora já aceitando alguns contributos da linguística, Celso Cunha e Lindley Cintra mostram que os predicativos do sujeito não ocorrem apenas com os verbos copulativos, podendo também aparecer associados a verbos significativos, formando com estes aquilo a que esses gramáticos apelidam de «predicado verbo-nominal» (Nova Gramática do Português Contemporâneo, pág. 138).2

Em relação à análise feita na perspetiva do DT, embora este apenas relacione explicitamente o predicativo do sujeito com os verbos copulativos, não é descabido reconhecer que eles também ocorrem com verbos não copulativos.

1  No âmbito da análise escolar mais tradicional, não se trata de um atributo, porque este «se junta imediatamente ao substantivo para o qualificar», conforme estipulam J. M. Nunes de Figueiredo e A. Gomes Ferreira (Compêndio de Gramática Portuguesa, Porto Editora, 1976, pág. 68). O mais que se poderia dizer nessa perspetiva é que «muito triste» era um adjetivo em aposição, desde que na escrita ficasse assinalado ente vírgulas, adjacente ao sujeito: «Ela, muito triste, foi pelo mundo» (cf. ibidem). Mas, na verdade, a gramática de Figueiredo e Ferreira não permitia descrever adequadamente o...

Pergunta:

Peço a vossa ajuda no esclarecimento da seguinte questão.

Surge, numa nova gramática, a seguinte frase: «O João assistiu ao espetáculo.» A expressão «ao espetáculo» aparece como sendo complemento indireto, contudo parece-me ser um complemento oblíquo (CO). Vejamos:

Para ser CO, tem sempre de ser (1) GPrep ou GAdv; (2) sendo GPrep, pode ser introduzido por qualquer preposição; (3) não pode ser substituído pelo pronome pessoal lhe; (4) aparece na resposta às perguntas: O que aconteceu…? O que se passa com…? O que fez…?

Ora, voltando à parte da frase em questão:

1) É um GPrep.

2) É introduzida por uma preposição.

3) Não pode ser substituída pelo pronome pessoal lhe.

4) Aparece na resposta à pergunta: O que fez o João? Assistiu ao espetáculo.

Admitamos a hipótese defendida na tal gramática. Para ser complemento indireto:

1) É sempre um GPrep selecionado pelo verbo (confirma-se).

2) É sempre introduzido pela preposição a (confirma-se).

3) Pode ser substituído pelo pronome pessoal lhe (não me parece).

4) Responde à pergunta: «A quem?» (não me parece).

Se o meu raciocínio está correto, estamos perante um CO. Admito, no entanto, que esteja errado.

Resposta:

O consulente tem razão: trata-se de um complemento oblíquo, pelos motivos que refere, que são, aliás, os indicados no Dicionário Terminológico.

Pergunta:

É correta a frase «Ultimamente têm havido muitos desastres» (1)? Pensei que só era correto escrever e dizer «Ultimamente tem havido muitos desastres».

(1) O exemplo é do livro: Leonete Carmo, Olá! Como está?, Lisboa, Lidel, 2004, p. 223. ISBN: 972-757-214-6.

Resposta:

A frase está, de facto, incorreta, se nela ocorrer «têm havido», porque o verbo haver se conjuga apenas na 3.ª pessoa do singular quando significa «existir». A forma correta é, portanto, «Ultimamente tem havido muitos desastres».

Pergunta:

Director-presidente, ou Director-Presidente?

Resposta:

Deve escrever-se do seguinte modo:

a) se a palavra é usada apenas com valor referencial, reportando-se a um cargo, usem-se minúsculas iniciais nas duas palavras constituintes: «o diretor-presidente», «o diretor-geral»;

b) no entanto, por deferência, quando se trata de referir alguém com uma função proeminente no contexto social em que um texto é produzido, usam-se maiúsculas iniciais: «falei com o Sr. Diretor-Presidente», «chegou o Diretor-Geral».