Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber se é possível utilizar os gentílicos grúzio, gruzínio, grúzico e gruzínico (presentes no Dicionário Aulete) como sinónimos de georgiano.

Muito obrigado.

Resposta:

As formas apresentadas pelo Dicionário Aulete (ver versão em linha) estão corretas e, na sua maioria, relacionam-se diretamente com Gruzínia, que é forma muito rara (por exemplo, está ausente do Dicionário Houaiss), registada como alternativa a Geórgia, conforme indica José Pedro Machado no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa (2003). No Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), Rebelo Gonçalves também acolhe Gruzínia e, com o mesmo radical, gruzin-, as formas gruzínico (adjetivo), gruzínio (adjetivo e substantivo masculino) e Gruzínios (etnónimo masculino plural), que são globalmente equivalentes a georgiano. Gruzínio igualmente se encontra registado no Grande Dicionário da Língua Portuguesa (2010) —transcrito como [gɾuˈzinju] e definido como «[proveniente] da Gruzínia» e «natural ou habitante da Gruzínia». Trata-se, de qualquer modo, de formas escassa ou nulamente usadas.

José Pedro Machado (op. cit.) assinala ainda que Gruzínia tem origem no russo Grúziia, «Geórgia», que talvez tenha sido transmitido por via francesa. Se assim é, então as formas grúzio e grúzico pressupõem a forma toponímica Grúzia, de configuração mais próxima da palavra russa do que Gruzínia, mas ausente das fontes lexicográficas consultadas. De qualquer modo, não vejo razão para rejeitar a forma Grúzia em português, pelo que grúzio e grúzico me parecem legitimamente dicion...

Pergunta:

Gostaria de saber como grafar a inicial da palavra região nos exemplos:

1. «a região de Campinas/SP»,

2. «Campinas e Região» e

3. «a Região Metropolitana de Campinas».

Devo usar maiúscula ou minúscula nestes casos?

Grato e parabéns pelo trabalho!

Resposta:

Em princípio, deverá escrever região com letra minúscula inicial: «a região de Campinas», «Campinas e região», «a região metropolitana de Campinas». No entanto, no caso da terceira expressão, podem aceitar-se as maiúsculas iniciais em «região metropolitana», se com isso se pretender referir uma dada unidade territorial e administrativa reconhecida oficialmente: «a Região Metropolitana de Campinas» (forma não atestada).

Pergunta:

Gostaria de saber se, de acordo com o Dicionário Terminológico, os verbos no infinitivo, como, por exemplo, nomear, são considerados palavras simples, ou complexas.

Resposta:

Uma palavra complexa é, na definição do Dicionário Terminológico, uma «[p]alavra formada por derivação ou por composição». Sendo assim, não se pode dizer que um infinitivo é necessariamente uma palavra complexa, porque o sufixo que apresenta (-r) é flexional, não é construcional, ou seja, trata-se de um sufixo que especifica propriedades morfossintáticas de palavras variáveis (os verbos, no caso de -r) e não participa de processos de derivação de palavras. Concretizando, apesar de em infinitivos como cantar, fazer ou subir o -r ser considerado um sufixo de infinitivo, tal não significa estarmos perante palavras complexas, porque esse -r é um afixo flexional, e não um afixo da morfologia construcional.

No entanto, os verbos podem corresponder a palavras complexas, quando exibem afixos derivacionais, por exemplo, prefixos (desfazer, derivado de fazer) ou sufixos verbais (suavizar, derivado do radical suav-, do adjetivo suave). Neste contexto, o caso de nomear é interessante porque aparentemente é um derivado denominal (do radical nominal nom-, de nome, associado ao sufixo verbal -ear). Contudo, a verdade é que nomear é forma que evoluiu do latim «nomĭno, as, āvi, ātum, āre, "nomear, designar, pôr um nome, chamar pelo nome, pronunciar o nome de algo ou alguém, citar, propor para um cargo ou função, acusar alguém, dar-lhe o nome", der[ivado] de nomen, ĭnis» (Dicionário Houaiss). Sendo assim, considero que n...

Pergunta:

Como se escreve a expressão "tia mãe", com ou sem o hífen? Ela é feita da mesma forma que a expressão tia-avó?


Resposta:

Não há registo dicionarístico de "tia-mãe" como uma unidade vocabular autónoma, ou seja, não se trata de expressão que se refira a um grau de parentesco concreto, à semelhança de tio-avô (ou tia-avó — para esta discussão é a mesma coisa), «irmão do avô ou da avó em relação aos netos destes» (Dicionário Houaiss). O que pode acontecer é "tia-mãe" constituir um composto de nome + nome ou encademento vocabular com o qual se designa pontualmente a situação de uma pessoa que, tendo o parentesco de tia, desempenha as funções  de mãe ou tem para alguém a mesma importância afetiva. Nesse caso, como em compostos de nome+nome e em todos os encadeamentos vocabulares, recomenda-se o hífen: tia-mãe

Pergunta:

Gostaria de saber se a palavra alto-carabaquense, gentílico do Alto-Carabaque, está bem formada e se a poderia usar em português. Ou seria melhor alto-carabaquiano?

Muito obrigado.

Resposta:

A resposta tem de começar antes pela discussão de "Alto Carabaque" (melhor que "Alto-Carabaque")1, que é simultaneamente tradução e aportuguesamento de Nagorno-Karabakh, forma internacional baseada no russo Нагорный Карабах (transliteração para o inglês Nagornyy Karabakh ou Nagornyi Karabah, conforme artigo da Wikipédia em inglês), que significa «Karabakh montanhoso» (нагорный, «montanhoso»).2 Este nome designa um enclave que, apesar de constituir oficialmente território do Azerbaijão, se tornou uma república independente não reconhecida.

O aportuguesamento em questão parece seguir o modelo do francês Haut-Karabakh (cf. artigo na Wikipédia) e encontra também paralelo no espanhol Alto Karabaj, forma menos usada nessa língua que Nagorno Karabaj. Conforma-se às regras da ortografia do português, mas não está atestado nem em dicionários gerais atualizados nem no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Porto Editora, o único dos vocabulários ortográficos recentes que inclui a forma de nomes próprios. Só o acho no artigo correspondente da Wikipédia em português, ao lado de Nagorno-Karabakh, Alto Karabakh e Karabakh Montanhoso. O mais que encontro em fontes impressas são as formas Nagorno-Karabakh na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, e Karabach, no Grande Dicionário Enciclopédico Verbo, em relação às quais, na falta de um apor...