Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber se é mais correto dizer «bolas de sabão», ou «bolhas de sabão», ou se não há um especial rigor no uso desta expressão.

Obrigado.

Resposta:

Se se refere às esferas soltas, de água e sabão, produzidas como passatempo infantil, eu diria intuitivamente «bolas de sabão» e reservaria as «bolhas de sabão» às calotes ou esferas produzidas à superfície da água em que se dissolveu sabão, por efeito de agitação. No entanto, o Dicionário Houaiss regista, como subentrada de bolha, a expressão «bolha de sabão», apresentando-a como sinónimo de «bola de sabão». Além disso, o Corpus do Português apresenta duas ocorrências de «bolha de sabão», interpretáveis como «bola de sabão», em textos de dois autores brasileiros, enquanto a expressão «bola de sabão» figura seis vezes, mas apenas em textos provenientes de Portugal. Uma consulta Google, apesar das suas limitações como meio fiável de identificação de ocorrências linguísticas (há, como se sabe, muitas repetições, muita cópia de texto de uns sites para os outros), permite, mesmo assim, obter resultados contrastantes entre o uso brasileiro e o de Portugal, conforme se trate de páginas do domínio .br ou do domínio .pt: nas primeiras, «bolha de sabão» alcança 1 140 000 resultados, e «bola de sabão», apenas 327 000; nas segundas, a relação inverte-se, tendo «bola de sabão» mais resultados (14 600) do que «bolha de sabão» (6360). Em suma, «bola de sabão» e «bolha de sabão» são expressões legítimas, parecendo que, em Portugal, há certa preferência pela primeira, enquanto a segunda aparenta ter maior favor por parte de brasileiros.

Pergunta:

No meio do ambiente acadêmico no curso de Ciência da Computação, deparo-me intermitentemente com o aportuguesamento da palavra inglesa correctitute para "corretude" e, pesquisado por todos os dicionários e por este fórum, percebo que não é, ao menos ainda, uma palavra oficial da língua portuguesa (nesta concepção). Defendo veementemente o uso de correção/correcção neste contexto, mas minhas preocupações são desdenhadas amiúde. Deparei-me, então, com outra palavra: "corretismo", que me soa um tanto confusa. Seria tal tradução a mais adequada de correctitude? Sei que esta é formada da fusão de correct e rectitude, o que nos levaria à formação da palavra "corretitude", fundindo, pelo mesmo princípio, correto + retitude ou corretidão, de correto + retidão; no entanto, nenhuma destas foi concebida. Deixando isto de lado, não pude deixar de notar uma certa semelhança de "corretismo" e "correctitude", essa, sim, registrada por alguns dicionários. Gostaria de opiniões mais bem fundamentadas a respeito destes três possíveis neologismos.

 

Resposta:

As áreas de especialidade são favoráveis à criação de numerosos neologismos, dada a necessidade de criar palavras unívocas que designem sem ambiguidades as realidades que são objeto de investigação. Se optar por correção, certamente que se consegue respeitar os padrões tradicionais do português, mas perde-se por causa da ambiguidade da palavra. Mas quanto a saber se as formas neológicas propostas estão corretas, é necessário ter em conta que não se pode falar em regras fixas neste domínio, nem se pode dizer que em tradução há sempre uma solução correta por oposição às demais, supostamente incorretas.

Neste contexto, confirmo que corretismo é palavra já dicionarizada com o significado de «procedimento isento de erros ou falhas; atitude correta, impecável por parte de alguém» e descrita como brasileirismo (Dicionário Houaiss). Quanto a "corretitude" e "corretidão", embora não atestadas, são neologismos bem formados, conforme o próprio consulente sugere, e que não precisam de ser explicados como fusão de correto e retitude ou retidão: basta considerar a possibilidade de juntar à base adjetival corret- (tema de correto) os sufixos -(i)tude ou -(i)dão (cf. Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, pág. 97). Quanto à forma "corretude", também não se pode rejeitá-la de todo, uma vez que parece seguir o modelo de completude, formado pela base complet- e o sufixo -ude, deduzido de palavras como virtude, juventude ou senectude (cf. Dicionário Houaiss).

Há, portanto, cinco possibilidades para traduzir o termo inglês. A opção por uma delas pode ser u...

Pergunta:

A propósito de duas perguntas sobre as maiúsculas e minúsculas o mesmo consultor (Rui Ramos) dá duas respostas contraditórias sobre o P/p de Península/península Ibérica. Assim, numa primeira, diz o sr. Rui Ramos:

« [em minúscula] 2 - Nomes de continentes, mares, rios, países, regiões, acidentes geográficos Antárctida, Ásia, rio Tejo, serra da Estrela, golfo da Guiné, península Ibérica, região de Trás-os-Montes, montes Hermínios, península Antárctica (...)».

Dias depois responde o contrário:

«Os árabes perderam toda a terra que tinham ocupado na Península» (subentendo-se «Ibérica» e, por isso, o "P" maiúsculo de «Península»).

Pelo menos, esta é a regra de estilo consensual hoje na imprensa escrita, em Portugal.».

Em que ficamos? Eu, por mim, ainda fiquei mais baralhado.

Obrigado.

Resposta:

Deve escrever-se Península Ibérica, com p e i iniciais maiúsculos, conforme se regista no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP) da Porto Editora e no Dicionário de Topónimos e Gentílicos do Portal da Língua Portuguesa (ILTEC).1

O uso de p maiúsculo em Península Ibérica não é recente. Já em 1947, Rebelo Gonçalves no seu Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa (pág. 338/339), assinalava algumas combinações vocabulares que «apesar de baseadas em palavras designativas de acidentes geográficos, formam no seu conjunto locuções toponímicas e, consequentemente, não dispensam a maiúscula inicial naqueles elementos: Grandes Lagos, Península Ibérica, etc.» Em nota, o autor citado indica que a redução Península, em lugar de Península Ibérica, também se escreve com maiúscula inicial (ibidem).

1 A forma errónea "península Ibérica" foi retirada da passagem da resposta em causa.

Pergunta:

Peço imensa desculpa, mas consegui encontrar uma resposta para a minha questão colocada há talvez uma hora. Os advérbios conectivos contrastivos poderão introduzir uma oração coordenada adversativa? Gostaria que me dividissem as orações na frase: «O Filipe estuda, porém não consegue obter bons resultados.»

Resposta:

Tendo em conta o Dicionário Terminológico, que se destina ao ensino básico e ao secundário de Portugal, direi que os advérbios conetivos, quando têm valor contrastivo, podem introduzir orações coordenadas adversativas. No entanto, não sendo os advérbios conetivos conjunções, as quais introduzem orações coordenadas sindéticas, deve-se classificar as orações por eles introduzidas como coordenadas adversativas assindéticas. Note-se que os advérbios conetivos são também usados numa frase simples, articulando-a com uma frase anterior («O Filipe estuda. Porém, não consegue obter bons resultados»), e podem ocorrer entre o sujeito e o predicado («O Filipe estuda demasiado. Os pais, porém, não reconhecem esse esforço»).

Pergunta:

O novo Acordo Ortográfico recorre frequentemente à expressão «aconselhável ou não aconselhável» em Portugal para suportar a manutenção ou supressão de algumas consoantes. Gostaria de saber qual a posição "oficial" do AO no que diz respeito às variações regionais do português europeu na pronúncia das mesmas consoantes. Na ilha da Madeira, a pronúncia de consoantes que no continente são mudas faz parte do padrão culto. É o caso de sector e de recepção. Como proceder nestes casos? A mesma questão se coloca com algumas variações no Norte de Portugal. No Minho fui criado e educado a dizer "contato", "contatar" etc., tal como no Rio de Janeiro, mas diferentemente de Lisboa. E tenho também dúvidas quanto à acentuação da primeira pessoa do plural dos verbos em -ar, que no Norte de Portugal todo e no Brasil se pronuncia com a fechado ("cantamos"/"cantamos" e não "cantámos"/"cantámos") e indistinguível do presente, como, aliás, nos verbos em -er se faz em todo o lado. No território da República Portuguesa existe uma norma oficial? Ou, como julgo ser o caso (e no espírito do novo AO), permite-se a variação regional?

Resposta:

1. No texto do Acordo Ortográfico de 1990 (AO 90) não se definem grafias como aconselháveis ou não aconselháveis em Portugal. É preciso ler a Nota Explicativa do AO 90, para encontrar comentários sobre o procedimento a adotar com a facultatividade ortográfica e a sua incidência regional:

«Sendo a pronúncia um dos critérios em que assenta a ortografia da língua portuguesa, é inevitável que se aceitem grafias duplas naqueles casos em que existem divergências de articulação quanto às referidas consoantes c e p e ainda em outros casos de menor significado. Torna-se, porém, praticamente impossível enunciar uma regra clara e abrangente dos casos em que há oscilação entre o emudecimento e a prolação daquelas consoantes, já que todas as sequências consonânticas enunciadas, qualquer que seja a vogal precedente, admitem as duas alternativas: cacto e cato, caracteres e carateres, dicção e dição, facto e fato, sector e setor; ceptro e cetro; concepção e conceção, recepção e receção; assumpção e assunção, peremptório e perentório, sumptuoso e suntuoso; etc.

«De um modo geral, pode dizer-se que, nestes casos, o emudecimento da consoante (excepto em dicção, facto, sumptuoso e poucos mais) se verifica, sobretudo, em Portugal e nos países africanos, enquanto no Brasil há oscilação entre a pro...