Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber se o nome próprio Deborah, que sei que é de origem hebraica e que assume na língua portuguesa a forma Débora, é acentuado. A forma portuguesa, como é cediço, é uma palavra proparoxítona e, portanto, recebe acento agudo; entretanto, a forma estrangeira, adotada por muitos pais ao registrarem seus filhos, também segue a mesma regra, ou não?

Agradecerei muito se puderem me ajudar.

Resposta:

Em princípio, a forma Deborah é inglesa e tem acento tónico na primeira sílaba [soa "déb(e)ra", com um e muito breve entre o b e r]. Em hebraico bíblico, a informação a que tenho acesso (pelo sítio de língua inglesa Behind the Name) é que o nome tem a forma דְּבוֹרָה, cuja transliteração latina é devorah. Sobre o acento tónico, sabendo-se que, em hebraico bíblico, recai geralmente na penúltima sílaba, é de supor que este nome não seja exceção, mais a mais que noutra forma em caracteres latinos do nome hebraico ocorre a supressão (síncope) da vogal pré-tónica da primeira sílaba: dvorah.

Penso que também interessará ao consulente saber que Débora já teve a forma Deborah, antes das reformas ortográficas do português na primeira metade do século XX. É possível que essa forma terminada em -h se pronunciasse com acento tónico na última sílaba ("Deborá") e que certos falantes contemporâneos ainda assim a pronunciem quando se deparam com ela, à semelhança do já aconteceu com o nome de origem hebraica Sara. Este tinha uma variante, Sarah, que muitos falantes acentuavam na última sílaba, conforme assinalava Gonçalves Viana, na Ortografia Nacional (Lisboa, Livraria Editora Viúva Tavares Cardoso, 1904, pág. 67):

«[a ocorrência de h é] mero erro de interpretação, ...

Pergunta:

Gostava de saber se devemos dizer «dentro em breve», ou «dentro de em breve».

Obrigada.

Resposta:

«Dentro em breve» é a forma usada, registada em dicionários (cf. Dicionário Estrutural, Estilístico e Sintático da Língua Portuguesa, de Énio Ramalho, dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, s. v. breve, e Dicionário Houaiss, s. v. breve) e, portanto, correta. Existe outra locução adverbial que tem a mesma estrutura e é praticamente sinónima — «dentro em pouco».

Repare-se que não estamos a falar de uma expressão em que se inclua a locução prepositiva «dentro de», que eventualmente legitime a sequência «dentro de em breve», que de facto não se usa. Tal análise parece não ter cabimento, uma vez que o Dicionário Houaiss acolhe como subentrada de breve a locução prepositiva «dentro em», «no interior de» e «no espaço de tempo de», que justifica expressões como «dentro em seu coração» e «dentro em poucos minutos» (idem). Deste modo, mesmo que se pretenda ignorar o estatuto idiomático de «dentro em breve» e de «dentro em pouco», o qual permitiria explicar a hipotética irregularidade destas expressões, verifica-se que a atestação de «dentro em» acaba por legitimar a estrutura de «dentro em breve».

Pergunta:

Gostaria de saber a forma correta de pronunciar as formais verbais do presente do indicativo do verbo ganhar.

Não sei se a vogal a se deve pronunciar aberta ou fechada. Qual é a forma correta?

Muito obrigada.

Resposta:

Há já respostas (ver Textos relacionados) sobre a pronúncia deste verbo. De qualquer modo, vale a pena registar o que se transcreve em dicionários produzidos nos últimos trinta anos em Portugal. Assim:

— O Dicionário de Português Básico (1991), de Mário Vilela, indica em transcrição fonética que o verbo tem a fechado na primeira sílaba;

— o mesmo faz o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, que, no entanto, também admite a forma com a aberto;

— o dicionário da Academia das Ciências mostra um a aberto na mesma sílaba (transcrição fonética: [gaˈɲaɾ].

Pode, portanto, dizer-se que atualmente ambas a pronúncias estão corretas, embora a que tem a fechado na sílaba átona tenha implantação fora do eixo Lisboa-Coimbra (é frequente na região do Porto, cujo dialeto serve de base empírica para os dois primeiros dicionários que aqui são mencionados) e esteja a ganhar terreno entre as gerações mais jovens mesmo na capital portuguesa.

Pergunta:

Gostaria de saber se posso aceitar que a palavra alunar é formada por prefixação, considerando que se acrescentou o prefixo a ao adjetivo lunar, ou se devo considerar que é derivada por parassíntese por se ter juntado aquele prefixo e o sufixo ar (verbal) ao radical latino lun-.

Resposta:

Considera-se o verbo alunar como palavra derivada por parassíntese, uma vez que ao radical lun- se associam simultaneamente o prefixo a- e o sufixo -ar (cf. exemplos de parassíntese, retirados do Dicionário Terminológico: a[padrinh]ar, a[podr]ecer, a[joelh]ar, en[gord]ar).

Pergunta:

Tenho visto muitos textos portugueses, em especial a Wikipédia lusófona, e me deparado com as palavras registo, registado, registadas.

Quero saber a que se deve essa diferença, visto que no Brasil dizemos (e escrevemos) registro.

Resposta:

A forma sem r, usada hoje em Portugal, está atestada pelo menos desde a Idade Média, conforme evidencia o Corpus do Português (Mark Davies e Ferreira):

«[...] deue seer o juiz antreuygiado pera fazer escreuer no seu Registo todo o feito» (Afonso X, Terceyra Partida, c. 1300, tradução em português antigo).

A forma com r apresenta esta consoante por interferência culta, de modo a aproximá-la do étimo latino-medieval, possivelmente com influência do francês medieval, conforme aponta o Dicionário Houaiss em nota etimológica: «lat[im] med[ie]v[al] registrum, der[ivado] do lat[im] tar[dio] regesta, "catálogo", part[icípio pas[sado] pl[ural] neutro subst[anti]v[ado] de regerĕre, "repor, tornar a trazer; ajuntar, reunir etc.", prov[avelmente] por infl[uência] do fr[ancês] registre (1259), "livro onde se anotam as atas", (1559) "registros do órgão (instrumento musical)" [...].»

O português lusitano manteve a forma medieval, mais popular, enquanto no português brasileiro se manifestou preferência pela forma registro, de caráter culto, à semelhança do que acontece atualmente em espanhol (registro), francês (registre) e noutras línguas. Penso que vem a propósito aqui deixar, como síntese, o comentário que se faz no Diccionario de Dúbidas da Lingua Galega (Vigo, Galaxia, 1991) à forma galega não normativa rexisto, que acusa a influência do português europeu:

«rexisto, s. m. Palabra empregada como lusismo ou vulgarismo no canto de* rexistro, do lat. medieval REGISTRUM (na época alternaban as formas en -tro e -to). Hoxe, esta palabra é un cultismo...