Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual é o significado de madraçais?

Resposta:

Sem contexto, o que se pode afirmar sobre madraçais é tratar-se do plural de madraçal, definível como «escola muçulmana» (cf. Dicionário Priberam da Língua Portuguesa) e «local em que residiam ou se hospedavam pessoas nobres ou ricas» (Dicionário Houaiss). Não é de excluir que informalmente se possa usar esta palavra para designar um conjunto de madraços ou mandriões, embora essa eventual aceção não figure nas fontes consultadas.

Pergunta:

Qual a origem do apelido (sobrenome) Guerra?

Resposta:

O apelido/sobrenome Guerra pode ter origem no substantivo comum guerra, mas José Pedro Machado, no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, tem outra opinião, propondo que, relacionado com linhagens nobiliárquicas, o nome tenha origem basca:

«Os troncos [...] [com que se relaciona Guerra] irradiaram das regiões bascas do país vizinho, sendo a mais conhecida (ou, se se preferir, a mais ilustre) ligada ao infante D. João, filho do nosso rei D. Pedro I e de D. Inês de Castro. É que esta, segunda [sic] parece, descendia daquele Énhego Ezguerra ou Esquerra, Enheguez guerra do 4.º Livro de Linhagens, reproduzido em Script. (p. 259) [o autor refere-se ao Portugalliae Monumenta Historica]; lembro este passo de F[ernão] L[opes], P. [= Crónica de D. Pedro] relativo a Castros: "... Dona Johana de Castro, filha de D. Pedro de Castro, que chamarom da Guerra» [...]. Esquerra [...] é voc[ábulo] basco que significa em cast[elhano] el zurdo (= prt. "o canhoto"; cf. esquerdo, também de origem euscara). Esguerra, por Esquerra, ou Guerra, por estar ligado ao Canhoto, isto é, ao Diabo, porque sua mãe, a célebre Dona (a que Herculano chamou Dama) Pé-de-Cabra impusera a D. Diego Lopes a ausência do sinal da Cruz para consentir no "casamento" de ambos ("um casamento da mão esquerda"). O 4.º Livro de Linhagens traz, no fim do episódio, Pé-de-Cabra sob forma masculina, seduzir mulheres: seria, pois, demónio súcubo e íncubo: "E alguuns ha em Bizcaya que disserom e dizem oje em dia que esta sa madre de Enhego ezguerra que este he o coouro (= cobra = Diabo) de Bizcaya" [...]. E a este tronco ficaram ligadas várias famílias, entre as quais a dos Filipes, monarcas de Castela [...]. Por influência ho...

Pergunta:

Como deverão ser chamados os habitantes e/ou nascidos na localidade de Nariz (Aveiro)? Julgo que existem várias possibilidades, mas qual a mais correcta? "Naricences"? "Narienses"? "Narizenses"? Outra?

Resposta:

No portal de Nariz, declara-se que o gentílico respetivo é naricense. Além disso, atribui-se a origem do topónimo ao nome de S. Pedro de Náris (ver também blogue Sarrabal), do qual, presume-se, seria adaptação popular. Contudo, não encontro explicação sobre a proveniência ou a localização desta forma "Náris", nas fontes a que tenho acesso. O mais que acho é por intermédio de José Pedro Machado, no seu Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, onde o verbete correspondente a Nariz, confirmando a sua localização no distrito de Aveiro e também na Madeira (nome de um baixio) e em Santiago do Cacém (Narizes), apenas relaciona o topónimo ao substantivo comum nariz. Em conclusão, não se sabendo qual a etimologia do topónimo em apreço, aceito e recomendo, por enquanto, a forma proposta pelo referido portal.

Pergunta:

Qual é o correto: «Setor/Departamento de Suprimentos», ou «Setor/Departamento de Suprimento»?

Sempre falei «suprimentos», e hoje meu líder comentou com a equipe que «suprimento» (no singular) é o correto. Fiquei curiosa... Está certa essa afirmação, ou ambas as formas estão corretas?

Agradeço desde já pela atenção dispensada.

Resposta:

As duas formas estão corretas: segundo o Dicionário Houaiss (ver também iDicionário Aulete), no português do Brasil, suprimento é usado quer como «ato ou efeito de doar, fornecer ou entregar auxílios, provisões, materiais etc.; provimento, fornecimento, provisão» quer como «aquilo que se doa, fornece ou entrega». Deste modo, um departamento ou setor que faz suprimento é também um departamento ou setor que entrega suprimentos. De qualquer forma, pesquisas na Internet apontam para que a palavra se use mais no plural quando associada a setor ou departamento.

Pergunta:

Gostava de saber se antes da reforma ortográfica de 1911 (tão agressiva com a língua portuguesa) as pessoas com o apelido Pereira também grafavam com o y (Pereyra). Os meus amigos hispanos dizem-me que Pereyra é mais próprio da América Hispana, e que na Lusofonia deve escrever-se com i latino. Eu pessoalmente gosto de escrever com y... Estou a ser incoerente com a minha cultura (lusófona) se adoto a grafia Pereyra? Por favor ajudem-me a decidir como escrever o meu apelido, até porque sou músico, e quero publicar os meus trabalhos com o meu nome e apelido corretamente escrito, e em coerência com o mundo a que pertenço, que é o da lusofonia.

Muito obrigado pelo vosso esforço e amor à língua portuguesa.

Resposta:

Não é certo que antes da reforma ortográfica de 1911 se escrevesse frequentemente Pereyra, com y, muito embora esta letra tivesse uso abundante (p. ex. typo e lyra em lugar de tipo e lira, respetivamente). Nos inícios do século XVIII, ocorre Pereyra, por exemplo, na Vida de D. Nuno Álvares Pereyra, segundo Condestável de Portugal, do padre Fr. Domingos Teixeira. Contudo, mais de cem anos depois, consultando a revista O Instituto (publicada enttre 1853 e 1981), verifica-se que Pereira e, por exemplo, outro apelido/sobrenome também acabado em -eira, Ferreira, se escrevem como hoje. Além disso, refira-se que José Pedro Machado, no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, regista apenas a forma Pereira, acerca da qual também refere atestar-se a variante Pireira (séc. XIV).

Acrescente-se que este apelido também é galego, língua em que tem a mesma forma que em português, Pereira. Pode supor-se alguma interferência do castelhano na grafia do nome, uma vez que y é usado na ortografia do espanhol, mas a verdade é que, neste caso, a letra y ocorre geralmente normalmente em final de uma sequência gráfica e nunca...