Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Sendo a palavra secundário referente a um assunto em segundo lugar ou segunda posição numa lista, o que motivou a usar c em vez g (ex.: secundário, e não "segundário"). A pergunta coloca-se ao contrário, agora para a palavra segundo, que também tem origem no latim secundus.

Resposta:

A presença de g em segundo e de c em secundário, apesar de ambas as palavras estarem historicamente (etimologicamente) relacionadas com o latim secundus, deve-se ao facto de elas terem surgido em português por processos de transmissão diferentes: segundo terá sido transmitida por via popular (as palavras latinas que tinham [k] intervocálico viram-no passar a [g]: AQUA ([ˈakwa] > água); secundário apareceu por via erudita, proveniente do latim clássico, sem sofrer grandes alterações fonéticas.

Pergunta:

O que significa «taxonomia baconiana»?

Obrigada!

Resposta:

Considerando que taxonomia (melhor que taxinomia) significa «ciência da classificação», e que baconiano (pronunciado "beiconiana") é adjetivo relativo ao baconismo ("beiconismo"), isto é, à doutrina de Francis Bacon (1561-1626), «voltada para a formulação dos métodos básicos da pesquisa científica (observação da natureza, experimentação, indução etc.)» (Dicionário Houaiss), a expressão «taxonomia baconiana» deve ser interpretada como «classificação concebida de acordo com a doutrina de Francis Bacon».

Pergunta:

Que significa mânfio?

Resposta:

A palavra mânfio, que pertence a registos informais, se não mesmo baixos, do português europeu, significa «pessoa de baixo caráter, sem escrúpulos e de comportamento duvidoso», segundo O Novo Dicionário do Calão (Lisboa, Casa das Letras, 2005), de Afonso Praça. O Dicionário de Expressões Populares Portuguesas (Lisboa, Edições D. Quixote, 1995), de Guilherme Augusto Simões, regista a mesma palavra numa aceção muito semelhante («malandrim», «tipo esperto»), embora também lhe atribua sentido mais neutro («indivíduo») e outro em aparente contradição com os que já foram apresentados — «polícia». Refira-se que a palavra não se encontra nos dicionários gerais consultados (Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, Dicionário Houaiss, iDicionário Aulete) e que, sobre a origem de mânfio, as fontes que o registam nada adiantam.

Pergunta:

Palavras em que o x se lê como s, ex.: verbo trazertrouxe, trouxestes, trouxeram, trouxe, trouxeste, trouxemos, trouxesse, trouxesses, trouxesse, trouxéssemos, trouxésseis, trouxessem.

Por que razão se escreve x?

Obrigado.

Resposta:

Por razões etimológicas, isto é, históricas. Durante a Idade Média e talvez até mais tarde, no pretérito perfeito do indicativo do verbo trazer (trouxe, trouxeste, trouxe, trouxemos, trouxestes, trouxeram) e nos tempos derivados desse tema (troux-: mais que perfeito, trouxera; futuro do conjuntivo, trouxer; e imperfeito do conjuntivo, trouxesse), parece que o x de troux- era uma consoante chiante (como se fosse "trouche"), como acontece atualmente com baixo. Só mais tarde é que esse x passou a ter o atual valor de [s], uma sibilante surda (trouxe = "trousse"; cf. Dicionário Houaiss, s.v. traz-: «[...] trouxe (trouxera, trouxesse, trouxer), com o -x- prov[avelmente] chiante, depois sibilante surdo»).

Pergunta:

Qual é a diferença entre fritar e frigir?

Resposta:

Em referência ao processo de cozinhar alimentos em manteiga ou óleo muito quentes, fritar e frigir são sinónimos. No entanto, no português contemporâneo, fritar sobrepôs-se a frigir, que só se acha em textos mais antigos ou se recupera como recurso literário. 

Uma consulta do Corpus do Português de Mark Davies e Michael Ferreira indica que a forma de infinitivo frigir conta com 24 ocorrências, das quais 19 se concentram em textos compreendidos entre o século XVI e o século XIX. Fritar tem 19 ocorrências, quase todas (17) concentradas — 10 do português de Portugal e 7 do português do Brasil — em textos no século XX. Além disso, é curioso verificar, por exemplo, que o iDicionário Aulete remete a entrada frigir para fritar, deixando concluir que esta é a forma mais conhecida.

Noutros contextos, os verbos diferenciam-se claramente, mas trata-se de um uso técnico no caso de fritar e, no de frigir, de modos figurados de fazer referências a certas situações (Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, e exemplos do Dicionário Houaiss):

fritar: proceder ao cozimento de (ingredientes com que se fabrica o vidro).

frigir