Pergunta:
As palavras sobressalto, tranqueira e roca seriam mesmo as formas vernáculas portuguesas que correspondem, respectivamente, às palavras surpresa, trincheira e rocha, que, por sua vez, são aportuguesamentos das palavras francesas surprise, trenchier (francês antigo) e roche?
Quanto à primeira elencada, sobressalto, hodiernamente, parece ter tão-somente o sentido de uma surpresa má, assustadora, perturbadora, aterrorizadora, enquanto surpresa pode ser tanto boa quanto má, o que me causa dúvida e me faz indagar se no passado a palavra sobressalto poderia traduzir uma surpresa boa ou má ou também apenas má.
Ainda gostaria de saber por que as formas francesas, ainda que aportuguesadas, vieram a substituir as vernáculas portuguesas muito mais legítimas no nosso idioma.
Que a estrela de primeira grandeza da Internet, o Ciberdúvidas, ilumine tudo com a sua luz esclarecedora.
Muito obrigado.
Resposta:
1. Se quisermos aplicar o critério da vernacularidade na seleção do léxico, veremos que há limitações, porque o português, à semelhança das outras línguas, tem assimilado empréstimos estrangeiros desde que se diferenciou do latim. Mesmo perante uma palavra de origem latina patrimonial e um empréstimo cognato de outra língua românica, isto é, também resultante da evolução do latim, não se deve preterir o empréstimo a favor da palavra patrimonial, até porque, frequentemente, os membros desse par vocabular divergiram semanticamente e têm contextos próprios de uso, incompatíveis com a substituição do empréstimo pelo vernáculo.
2. Em relação aos três casos apresentados pelo consulente, há a dizer que apenas um configura um par de cognatos, roca/rocha. Assim:
2.1. Roca, atestada, pelo menos, desde os princípios do século XI (Dicionário Houaiss, com base em José Pedro Machado, Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa) e praticamente igual ao castelhano roca, provém do latim vulgar *rŏcca, que terá provavelmente origem pré-latina (idem). A palavra rocha, atestada desde meados do século XII (idem, baseado em Machado, op. cit.), surge como adaptação do francês roche, que é forma divergente do mesmo étimo de roca (idem). Tendo em conta que, por um lado, segundo José Pedro Machado (Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa), rocha é um «galicismo antiquíssimo», documentado desde o século XII (pelo menos, como apelido), e que, por outro, rocha tem hoje maior uso que roca (= «rocha»), não me parece avisado, depois de tantos séculos, condenar agora o primeiro vocábulo e defender como legítimo o segundo. Se rocha fosse um aportuguesamento com apenas dez anos, ainda far...