Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

A interjeição oxalá deriva de uma palavra árabe, wa sha alá', significando «queira Deus» [...]. Portanto, não se aconselha o uso da seguinte expressão: «Oxalá Deus queira», porque a expressão sublinhada já transporta consigo a partícula que e Deus.

Mas o bispo de minha igreja disse: «Oxalá Deus queira.»

Admite-se?

Que acham?

Resposta:

Sem outro contexto, a sequência em causa parece incompleta, porque não se diz o que se pretende que Deus queira. E, tal como está, a sequência torna-se redundante, não pela razão de «Deus queira» significar etimologicamente o mesmo que oxalá — que é verdade —, mas, sim, porque usamos o advérbio de origem árabe com o mesmo valor desiderativo que «Deus queira». No entanto, é possível ocorrerem frases como «oxalá Deus ajude estes jovens», em que a ocorrência da palavra Deus não é sentida como redundante em relação a oxalá.

Pergunta:

Qual a pronúncia correta: "Roraima", "Rorãima" ou "Roraíma"?

Muito grato pela atenção.

Resposta:

Segundo Aldo Bizzocchi (artigo "A pronúncia correta de `Roraima´", na revista em linha Língua Portuguesa), «podemos dizer indiferentemente "roráima" ou "rorâima": ambas as pronúncias são corretas e legítimas em português», porque «não há oposição fonológica (isto é, distinção de significado) entre vogais abertas e fechadas antes de consoante nasal».1

Do ponto de vista histórico, parece ter havido certa vacilação, conforme se aponta em nota sobre a  formação do gentílico roraimense no Dicionário Houaiss, na qual se lê que «no início do sXX, a pronúncia ainda alternava Roraíma/Roráima/Rorãima». Sobre Roraíma, diz Bizocchi (op. cit.) que se trata da «pronúncia original do nome no idioma taurepang[ue]».2 Refira-se ainda que no Sul do Brasil, existe a tendência a pronunciar "Rorãima", muito embora os profisisonais de televisão (em especial os da TV Globo) usem "Roráima", tida por pronúncia mais correta porque, ao que parece, é a dos habitantes desse estado brasileiro.

1 No português de Portugal, há oposição fonológica entre a aberto e a fechado, embora não muito produtiva, antes de nasal bilabial, ou seja, m, de acordo com Paul Teyssier, Manual de Língua Portuguesa (Portugal-Brasil), Coimbra Editora, 1989, pág. 23 (o símbolo [ä] representa o a fechado, e š é equivalente a ʃ, ou seja, corresponde ao segmento associado à letra  x em baixo; manteve-se a ortografia do original):

Pergunta:

Qual o plural de urso-panda? É ursos-panda?

O urso-panda também é denominado como panda-gigante. Qual é o plural de panda-gigante? É pandas-gigantes?

Muito obrigado.

Resposta:

Entre vários dicionários consultados (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, iDicionário Aulete, Dicionário Houaiss), nenhum regista urso-panda, somente panda, para designar uma certa espécie de urso. No entanto, é certo que por vezes se diz e escreve «urso panda», conforme se pode verificar no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa e no Corpus do Português de Mark Davies e Michael Ferreira. Dado que panda, que é substantivo, aparece a especificar urso, é legítimo que, por um lado, se escreva urso-panda, com hífen, à semelhança de urso-pardo, e que, por outro, o plural seja ursos-panda, uma vez que o segundo substantivo se comporta como um adjetivo (cf. palavras-chave). Quanto a panda-gigante, este, sim, registado na maior parte fontes consultadas, o plural é pandas-gigantes.

Pergunta:

Sendo a palavra secundário referente a um assunto em segundo lugar ou segunda posição numa lista, o que motivou a usar c em vez g (ex.: secundário, e não "segundário"). A pergunta coloca-se ao contrário, agora para a palavra segundo, que também tem origem no latim secundus.

Resposta:

A presença de g em segundo e de c em secundário, apesar de ambas as palavras estarem historicamente (etimologicamente) relacionadas com o latim secundus, deve-se ao facto de elas terem surgido em português por processos de transmissão diferentes: segundo terá sido transmitida por via popular (as palavras latinas que tinham [k] intervocálico viram-no passar a [g]: AQUA ([ˈakwa] > água); secundário apareceu por via erudita, proveniente do latim clássico, sem sofrer grandes alterações fonéticas.

Pergunta:

O que significa «taxonomia baconiana»?

Obrigada!

Resposta:

Considerando que taxonomia (melhor que taxinomia) significa «ciência da classificação», e que baconiano (pronunciado "beiconiana") é adjetivo relativo ao baconismo ("beiconismo"), isto é, à doutrina de Francis Bacon (1561-1626), «voltada para a formulação dos métodos básicos da pesquisa científica (observação da natureza, experimentação, indução etc.)» (Dicionário Houaiss), a expressão «taxonomia baconiana» deve ser interpretada como «classificação concebida de acordo com a doutrina de Francis Bacon».