Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber se posso aceitar que a palavra alunar é formada por prefixação, considerando que se acrescentou o prefixo a ao adjetivo lunar, ou se devo considerar que é derivada por parassíntese por se ter juntado aquele prefixo e o sufixo ar (verbal) ao radical latino lun-.

Resposta:

Considera-se o verbo alunar como palavra derivada por parassíntese, uma vez que ao radical lun- se associam simultaneamente o prefixo a- e o sufixo -ar (cf. exemplos de parassíntese, retirados do Dicionário Terminológico: a[padrinh]ar, a[podr]ecer, a[joelh]ar, en[gord]ar).

Pergunta:

Tenho visto muitos textos portugueses, em especial a Wikipédia lusófona, e me deparado com as palavras registo, registado, registadas.

Quero saber a que se deve essa diferença, visto que no Brasil dizemos (e escrevemos) registro.

Resposta:

A forma sem r, usada hoje em Portugal, está atestada pelo menos desde a Idade Média, conforme evidencia o Corpus do Português (Mark Davies e Ferreira):

«[...] deue seer o juiz antreuygiado pera fazer escreuer no seu Registo todo o feito» (Afonso X, Terceyra Partida, c. 1300, tradução em português antigo).

A forma com r apresenta esta consoante por interferência culta, de modo a aproximá-la do étimo latino-medieval, possivelmente com influência do francês medieval, conforme aponta o Dicionário Houaiss em nota etimológica: «lat[im] med[ie]v[al] registrum, der[ivado] do lat[im] tar[dio] regesta, "catálogo", part[icípio pas[sado] pl[ural] neutro subst[anti]v[ado] de regerĕre, "repor, tornar a trazer; ajuntar, reunir etc.", prov[avelmente] por infl[uência] do fr[ancês] registre (1259), "livro onde se anotam as atas", (1559) "registros do órgão (instrumento musical)" [...].»

O português lusitano manteve a forma medieval, mais popular, enquanto no português brasileiro se manifestou preferência pela forma registro, de caráter culto, à semelhança do que acontece atualmente em espanhol (registro), francês (registre) e noutras línguas. Penso que vem a propósito aqui deixar, como síntese, o comentário que se faz no Diccionario de Dúbidas da Lingua Galega (Vigo, Galaxia, 1991) à forma galega não normativa rexisto, que acusa a influência do português europeu:

«rexisto, s. m. Palabra empregada como lusismo ou vulgarismo no canto de* rexistro, do lat. medieval REGISTRUM (na época alternaban as formas en -tro e -to). Hoxe, esta palabra é un cultismo...

Pergunta:

A interjeição oxalá deriva de uma palavra árabe, wa sha alá', significando «queira Deus» [...]. Portanto, não se aconselha o uso da seguinte expressão: «Oxalá Deus queira», porque a expressão sublinhada já transporta consigo a partícula que e Deus.

Mas o bispo de minha igreja disse: «Oxalá Deus queira.»

Admite-se?

Que acham?

Resposta:

Sem outro contexto, a sequência em causa parece incompleta, porque não se diz o que se pretende que Deus queira. E, tal como está, a sequência torna-se redundante, não pela razão de «Deus queira» significar etimologicamente o mesmo que oxalá — que é verdade —, mas, sim, porque usamos o advérbio de origem árabe com o mesmo valor desiderativo que «Deus queira». No entanto, é possível ocorrerem frases como «oxalá Deus ajude estes jovens», em que a ocorrência da palavra Deus não é sentida como redundante em relação a oxalá.

Pergunta:

Qual a pronúncia correta: "Roraima", "Rorãima" ou "Roraíma"?

Muito grato pela atenção.

Resposta:

Segundo Aldo Bizzocchi (artigo "A pronúncia correta de `Roraima´", na revista em linha Língua Portuguesa), «podemos dizer indiferentemente "roráima" ou "rorâima": ambas as pronúncias são corretas e legítimas em português», porque «não há oposição fonológica (isto é, distinção de significado) entre vogais abertas e fechadas antes de consoante nasal».1

Do ponto de vista histórico, parece ter havido certa vacilação, conforme se aponta em nota sobre a  formação do gentílico roraimense no Dicionário Houaiss, na qual se lê que «no início do sXX, a pronúncia ainda alternava Roraíma/Roráima/Rorãima». Sobre Roraíma, diz Bizocchi (op. cit.) que se trata da «pronúncia original do nome no idioma taurepang[ue]».2 Refira-se ainda que no Sul do Brasil, existe a tendência a pronunciar "Rorãima", muito embora os profisisonais de televisão (em especial os da TV Globo) usem "Roráima", tida por pronúncia mais correta porque, ao que parece, é a dos habitantes desse estado brasileiro.

1 No português de Portugal, há oposição fonológica entre a aberto e a fechado, embora não muito produtiva, antes de nasal bilabial, ou seja, m, de acordo com Paul Teyssier, Manual de Língua Portuguesa (Portugal-Brasil), Coimbra Editora, 1989, pág. 23 (o símbolo [ä] representa o a fechado, e š é equivalente a ʃ, ou seja, corresponde ao segmento associado à letra  x em baixo; manteve-se a ortografia do original):

Pergunta:

Qual o plural de urso-panda? É ursos-panda?

O urso-panda também é denominado como panda-gigante. Qual é o plural de panda-gigante? É pandas-gigantes?

Muito obrigado.

Resposta:

Entre vários dicionários consultados (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, iDicionário Aulete, Dicionário Houaiss), nenhum regista urso-panda, somente panda, para designar uma certa espécie de urso. No entanto, é certo que por vezes se diz e escreve «urso panda», conforme se pode verificar no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa e no Corpus do Português de Mark Davies e Michael Ferreira. Dado que panda, que é substantivo, aparece a especificar urso, é legítimo que, por um lado, se escreva urso-panda, com hífen, à semelhança de urso-pardo, e que, por outro, o plural seja ursos-panda, uma vez que o segundo substantivo se comporta como um adjetivo (cf. palavras-chave). Quanto a panda-gigante, este, sim, registado na maior parte fontes consultadas, o plural é pandas-gigantes.