Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber qual o significado da expressão «grifo meu». De onde vem essa expressão e em que contexto deve ser empregada?

Obrigada.

Resposta:

Falando de tipo de letra, grifo é o mesmo que itálico, conforme se indica no Dicionário Houaiss, que, sobre a origem de ambos os termos, adianta que «[o] tipo itálico foi desenhado para o impressor Aldus Manutius, em 1501, a partir da letra chanceleresca cursiva, por Francesco Griffo da Bologna (donde o sinônimo grifo), e, posteriormente, aperfeiçoado por Ludovico degli Arrighi».

Pergunta:

Os nossos jornalistas ligam o prefixo sub por hífen antes do cardinal 17. No Jornal de Angola do dia 22 de Junho de 2012 [p. 47], por exemplo, leu-se isto: «A Selecção Nacional de Futebol de "Sub-17" para os Jogos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) perdeu ontem diante da equipa do escalão de juniores do 1.° de Agosto, por 1-2, no Estádio da Cidadela, em partida de preparação.»

É correcto isto?

Obrigado.

Resposta:

É aceitável e até mesmo recomendável a forma sub-17 (maiúscula opcional para a designação para esta categoria desportiva).

O acordo de 1945 e o de 1990 (AO 90) são omissos quanto à associação de prefixos a algarismos. No entanto, sabendo que, na aplicação do AO 90, se adotou o critério de fazer seguir prefixos de hífen antes de estrangeirismos (anti-doping), nomes próprios (anti-Bush), e siglas (anti-FMI)1, parece lícito incluir entre estes casos o dos algarismos e escrever sub-17.

1 Nos critérios adotados pelo Vocabulário Ortográfico do Português na aplicação do AO 90, lê-se que «[o] hífen é usado após estes elementos [prefixos e radicais (elementos não autónomos como mini- ou agro-)] quando [...] a palavra a que se juntam é um estrangeirismo, um nome próprio ou uma sigla: anti-apartheid, anti-Europa, mini-GPS

Pergunta:

Qual a origem da expressão «feito ao bife»?

Obrigado.

Resposta:

No português europeu, num registo informal, de carácter popular e tom vulgar, «estar feito ao bife» é o mesmo que «estar em apuros, em dificuldades», segundo Afonso Praça, no Novo Dicionário de Calão, Lisboa, Casa das Letras, 2005, que nada adianta sobre a origem da expressão. Orlando Neves, no seu Dicionário de Expressões Correntes (Lisboa, Editorial Notícias, 2000), reitera na prática («não ter solução; estar arrumado, lixado») a definição de Praça, mas também não avança nenhuma hipótese sobre a génese desta expressão. O Dicionário Prático de Locuções e Expressões Correntes define-a da mesma maneira, sem comentar as circunstâncias em que terá sido criada.

Em síntese, nada pude apurar sobre as origens de «estar feito ao bife». É sabido que «estar feito» é uma locução com sentido próprio: «ter conquistado uma mulher; estar numa situação irremediável» (Neves, op. cit.). Mas, mesmo assinalando o facto de bife poder significar «fatia de carne bovina» e, em sentido pejorativo, «indivíduo de nacionalidade inglesa» (Dicionário Houaiss), fica pouco claro o modo como o sentido literal da expressão em apreço permite desvelar a sua etimologia: terá querido dizer «feito num bife», isto é, morto? Ou terá que ver com a situação histórica de geral submissão de Portugal aos ditames do Império Britânico durante o século XIX? Deixo estas perguntas à laia de hipóteses.

Pergunta:

Qual a origem da expressão «ter rasca na assadura»?

Muito obrigada.

Resposta:

Não conheço fontes que expliquem em que circunstâncias se criou a expressão em apreço. Orlando Neves, no Dicionário de Expressões Correntes (Lisboa, Notícias Editorial, 2000), define a expressão «ter rasca na assadura» como «ter interesse em qualquer negócio», e «rasca na assadura» como «parte num roubo; responsabilidade; parte em qualquer coisa». De qualquer modo, pode supor-se que tem origem metafórica, uma vez que, no registo informal (Dicionário Houaiss), rasca tem, entre outras aceções, a de «parte nos lucros, quinhão», e assadura, entre outros significados, tem o de «porção de carne que se assa ou se pode assar de uma vez», prestando-se assim a ser usado metaforicamente em lugar de quinhão.

Pergunta:

Com o estrangeirismo stress formamos a palavra "anti-stress", dado haver sempre hífen entre o prefixo e estrangeirismos, nomes próprios e siglas.

2. Perguntas:

a) Em "anti-stress", devemos escrever "anti-stress" (com aspas ou itálico no 2.º elemento) por estar envolvido um estrangeirismo?

b) Se recorrer ao termo aportuguesado "stresse" (já registado nos dicionários da Porto Editora e da Academia das Ciências), devo escrever "antisstresse", aplicando a Base XVI, ponto 2. a), do texto do novo Acordo?

c) De onde vem a regra da hifenização antes de estrangeirismos, nomes próprios e siglas, uma vez que não a encontro no texto do Acordo? Aplica-se a mesma regra aos acrónimos?

Obrigado e bom trabalho!

Resposta:

1. Embora não haja indicação nenhuma no texto do Acordo Ortográfico (AO) sobre casos como o de "anti-stress" e o da escrita de estrangeirismos, recomenda-se o uso de itálico ou de aspas com estrangeirismos, e parece legítimo estender este preceito à ocorrência dos mesmos em palavras prefixadas: apartheidanti-apartheid; stress > anti-stress.

2. Se se recorrer à forma stresse, controverso aportuguesamento que é proposto pelo dicionário da Academia das Ciências de Lisboa (ACL) e aceite pelo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Porto Editora, deverá escrever-se antistresse, conforme a base que o consulente refere. Note-se que, no AO, o preceito que determina que as letras r e s se dupliquem depois de prefixo (Base XVI, 2 a) só é ilustrado por palavras começadas por r e s seguidos de vogal (antirreligioso, biorritmo, antissemita, microssistema), donde se infere que não se preveem casos de r ou s em começo de palavra e seguidos de consoante — nem têm de ser previstos porque tal sequência não tem, ou não tinha, até à publicação do dicionário do ACL, tradição nos países de língua portuguesa. Sendo assim, o referido preceito não se afigura válido quando se trata de o aplicar a um derivado prefixal da forma stresse, porque duplicar o s e escrever "antisstresse" corresponderia a produzir a sequência gráfica "-sst-", que é inusitada ...