Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Palavras em que o x se lê como s, ex.: verbo trazertrouxe, trouxestes, trouxeram, trouxe, trouxeste, trouxemos, trouxesse, trouxesses, trouxesse, trouxéssemos, trouxésseis, trouxessem.

Por que razão se escreve x?

Obrigado.

Resposta:

Por razões etimológicas, isto é, históricas. Durante a Idade Média e talvez até mais tarde, no pretérito perfeito do indicativo do verbo trazer (trouxe, trouxeste, trouxe, trouxemos, trouxestes, trouxeram) e nos tempos derivados desse tema (troux-: mais que perfeito, trouxera; futuro do conjuntivo, trouxer; e imperfeito do conjuntivo, trouxesse), parece que o x de troux- era uma consoante chiante (como se fosse "trouche"), como acontece atualmente com baixo. Só mais tarde é que esse x passou a ter o atual valor de [s], uma sibilante surda (trouxe = "trousse"; cf. Dicionário Houaiss, s.v. traz-: «[...] trouxe (trouxera, trouxesse, trouxer), com o -x- prov[avelmente] chiante, depois sibilante surdo»).

Pergunta:

Qual é a diferença entre fritar e frigir?

Resposta:

Em referência ao processo de cozinhar alimentos em manteiga ou óleo muito quentes, fritar e frigir são sinónimos. No entanto, no português contemporâneo, fritar sobrepôs-se a frigir, que só se acha em textos mais antigos ou se recupera como recurso literário. 

Uma consulta do Corpus do Português de Mark Davies e Michael Ferreira indica que a forma de infinitivo frigir conta com 24 ocorrências, das quais 19 se concentram em textos compreendidos entre o século XVI e o século XIX. Fritar tem 19 ocorrências, quase todas (17) concentradas — 10 do português de Portugal e 7 do português do Brasil — em textos no século XX. Além disso, é curioso verificar, por exemplo, que o iDicionário Aulete remete a entrada frigir para fritar, deixando concluir que esta é a forma mais conhecida.

Noutros contextos, os verbos diferenciam-se claramente, mas trata-se de um uso técnico no caso de fritar e, no de frigir, de modos figurados de fazer referências a certas situações (Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, e exemplos do Dicionário Houaiss):

fritar: proceder ao cozimento de (ingredientes com que se fabrica o vidro).

frigir

Pergunta:

Preciso saber como é que se escreve o verbo expedir e o verbo remeter no seguinte contexto: «Espero que vossa direcção... o documento mencionado» (quando eu solicito da maneira apropriada um documento e espero que mo entreguem).

Agradeço vossa resposta.

Resposta:

O verbo expedir segue a mesma conjugação de pedir: «Espero que a vossa direção me expeça.» Quanto ao verbo remeter, tem este a mesma conjugação de meter: «Espero que a vossa direção expeça e me remeta o documento mencionado.»

Pergunta:

É comum ver consultor no lugar de corretor, por ser considerado mais «chique»! Mas neste caso pode escrever: «consultor em imóveis», ou «consultor para imóveis», ou «consultor de imóveis»? E por que não «conselheiro em imóveis»? Pode ser?

Agradeço, desde já, as respostas.

Resposta:

Partindo do princípio de que as expressões mais corretas são «corretor de imóveis» e «consultor de imóveis», refira-se que corretor,1 no contexto da compra e venda de imóveis no Brasil, designa «agente comercial (de publicidade, de imóveis etc.)» (Dicionário Houaiss).2 O iDicionário Aulete confirma esta definição: «Aquele que trabalha como intermediário na compra e venda de imóveis, ações, seguros.» Sobre consultor usado no mesmo contexto, não encontro referência específica nos dicionários consultados, para além das aceções que aí se atribuem à palavra. Aliás, a consulta do corpus NILC/São Carlos (Linguateca), constituído por «textos brasileiros do registo jornalístico, didáctico, epistolar e redacções de alunos» (idem), mostra que a expressão «corretor de imóveis» ocorre 18 vezes, enquanto não se deteta nenhuma de ocorrência de «consultor de imóveis», o que sugere que a expressão consagrada é efetivamente «corretor de imóveis».

Mesmo assim, porque o mundo muda e a língua também, assinalo que há quem diferencie entre «corretor de imóveis» e «consultor de imóveis». É que se faz num blogue brasileiro:

«O mercado costuma denominar "corretor" o profissional devidamente inscrito no Conselho Regional dos Corretores de Imóveis — CRECI. Refere-se, de outro lado, a "consultor" para denominar o profissional não escrito (pseudocorretor/irregular).»

Contudo, na mesma fonte, propõe-se outro entendimento da expressão «consultor de imóveis», concebendo-a como d...

Pergunta:

Gostaria de saber a origem das palavras: sarrabulho/serrabulho e chanfana.

Muito obrigado.

Resposta:

A respeito de sarrabulho (ou serrabulho), o Dicionário Houaiss e o Dicionário Etimológico Resumido (Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Livro/Ministério da Educação e Cultura, 1966), de Antenor Nascentes, consideram que se trata de palavra de «origem obscura». José Pedro Machado, no Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, é da mesma opinião, mas aventa a hipótese de se tratar de formação expressiva: «A ser assim, creio que o sentido mais antigo seria o de "barulho, desordem" [...] Daqui sairia o nome do tão célebre prato português, dada a "mistura, aparente desordem" em cuja composição entram sangue, miúdos de porco, torresmos, toucinho, etc.»

Não é esta a perspetiva de Silveira Bueno, no seu Grande Dicionário Etimológico Prosódico da Língua Portuguesa (São Paulo, Edição Saraiva, 1967; mantive a ortografia original): «a forma primitiva foi sarabulho e até sarbulho com o significado de cobreiro, vermelhidão que aparece na péle e atribuido à passagem de algum animal peçonhento, geralmente, cobra. Daqui serpulho e em esp[anhol] serpullido aplicado não só ao que acima chamamos cobreiro, mas a qualquer impinge, e até as pintas vermelhas deixadas na péle pelas pulgas. Passou o nome a significar o prato [português] [...] pela presença do sangue de porco que fica depois de ido ao forno, co pintas mais escuras umas, mais vermelhas outras. A base de sarpulho, serpulho, sarbulho, sarabulho, sarrabulho é o lat[im] tard[io] serpusculus, herpes, cobreiro, de serpĕre, justamente o que acima dissemos a respeito da passagem das cobras nas roupas e depois na péle, produzindo cobreiro.»

A proposta de Bueno pode encontrar vários problemas, entre ...