Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Agradeço que me ajudem a esclarecer o uso das locuções prepositivas e adverbiais «à frente de» e «em frente de» e a diferença entre elas.

Será que posso usar «à frente de» para dizer que numa fila estou à frente de uma pessoa que está atrás de mim, e «em frente de» para dizer que estou em frente de uma pessoa que está face a mim?

Atenciosamente, agradeço antecipadamente.

Resposta:

Exatamente. A locução «à frente» pressupõe uma ordem, por exemplo, numa fila no supermercado: quem está diante de mim está «à frente» (até pode dizer «à minha frente»). A locução «em frente» pressupõe simples relação no espaço, sem associar a noção de ordem: por exemplo, numa praça, posso dizer que certo museu fica em frente do jardim.

Atenção, que, com verbos de movimento, podem ocorrer diferenças subtis: «ir/seguir sempre em frente» = «ir em linha reta, a direito»; «ir mais à frente» = «avançar», «adiantar-se a outras pessoas».

N. E. (2/09/2015) – Com a aplicação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, e conforme a sua Base XV ("Do hífen em compostos, locuções e encadeamentos vocabulares"), o substantivo que em algumas fontes se escrevia frente-a-frente (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa) perde os hífenes, passando a grafar-se frente a frente, conforme se regista no Vocabulário Ortográfico da Porto Editora e no Vocabulário Ortográfico Atualizado da Língua Portuguesa, da Academia das Ciências de Lisboa. Note-se que outros vocabulários ortográficos mais recentes – Vocabulário Ortográfico do Português, Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa...

Pergunta:

Gostaria de saber se, de acordo com a nova gramática, bi- e tri- são considerados como radical, ou prefixo.

Obrigada.

Resposta:

Essa classificação não depende do Dicionário Terminológico, que não é propriamente uma nova gramática e, por isso, não apresenta listas onde as formas prefixais estejam claramente diferenciadas dos radicais. Na verdade, as opiniões entre gramáticos divergem: Cunha e Cintra (Nova Gramática da Língua Portuguesa, 1984, pág. 109) classificam bi- e tri- como radicais; Evanildo Bechara (Moderna Gramática Portuguesa, 2002, pág. 366-368) considera-os prefixos. Estes casos não são, portanto, os melhores exemplos para abordar os prefixos ou os radicais em aulas do ensino básico ou secundário.

Pergunta:

Segundo o Acordo Ortográfico, nas frases seguintes, deve escrever-se — «meio campo», ou «meio-campo»?

«O jogador atrasou a bola para o seu meio campo» (ou «meio-campo»?).

«Esta é a linha de meio campo» (ou «meio-campo»?).

Resposta:

Escrevia-se meio-campo e vai continuar a escrever-se assim, uma vez que os compostos sem elementos de ligação não são afetados pela supressão de hífen (Base XV, 1.º; sublinhado meu):

«Emprega-se o hífen nas palavras compostas por justaposição que não contêm formas de ligação e cujos elementos, de natureza nominal, adjetival, numeral ou verbal, constituem uma unidade sintagmática e semântica e mantêm acento próprio, podendo dar-se o caso de o primeiro elemento estar reduzido: ano-luz, arcebispo-bispo, arco-íris, decreto-lei, és-sueste, médico-cirurgião, rainha-cláudia, tenente-coronel, tio-avô, turma-piloto; alcaide-mor, amor-perfeito, guarda-noturno, mato-grossense, norte-americano, porto-alegrense, sul-africano; afro-asiático, afro-luso-brasileiro, azul-escuro, luso-brasileiro, primeiro-ministro, primeiro-sargento, primo-infeção, segunda-feira; conta-gotas, finca-pé, guarda-chuva

Pergunta:

Qual a origem do termo maçã-da-porta-da-loja?

Resposta:

O Dicionário Houaiss e o iDicionário Aulete registam o nome maçã-da-porta-loja como «variedade de maçã»; além disso, a palavra também figura no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras. Contudo, está ausente dos dicionários publicados em Portugal e nos vocabulários ortográficos para o português europeu. Tudo isto leva a pensar que se trata de um composto de origem brasileira, muito embora os falantes portugueses o conheçam, como atestam, por exemplo, certas páginas da Internet. Mesmo assim, é só o que posso dizer sobre a história desta palavra, uma vez que não encontro referências às circunstâncias que motivaram o seu aparecimento. Aparentemente trata-se de uma variedade de maçã que acabou por se popularizar com um nome baseado no simples facto de estar à porta das lojas — mas será só isso?

Pergunta:

Gostava de saber a razão pela qual o «complemento oblíquo» se designa de tal forma.

Obrigada!

Resposta:

O termo «complemento oblíquo» faz parte do Dicionário Terminológico e destina-se a apoiar o ensino da gramática nos níveis básicos e médios do sistema educativo em Portugal. É um termo que designa um complemento introduzido por preposição (excetuando o complemento indireto).

Quanto à história de oblíquo nos estudos linguísticos, refira-se que o termo remonta à descrição da flexão nominal do latim. Nesta língua, como noutras (antigas ou atuais, por exemplo, o russo), nomes, adjetivos e pronomes estavam sujeitos a variações morfológicas (casos) na frase, de modo a indicar diferentes funções sintáticas. A função de sujeito era marcada pela forma de nominativo, também conhecido como «casus rectus», ou seja, «caso reto»; os outros casos (genitivo, acusativo, dativo e ablativo) eram chamados casos oblíquos (sobre os casos do latim ver resposta Casos: nominativo, vocativo, acusativo, etc.). Esta terminologia é mantida por Celso Cunha e Lindley Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo (1984: 279), na distinção entre pronomes retos (com a função de sujeito) e pronomes oblíquos (com outras funções sintáticas). Outros gramáticos encaram os casos nominativo e acusativo como casos diretos, por corresponderem às funções principais dos nomes em relação aos verbos, enquanto os outros casos são os oblíquos, relativos a funções sintáticas secundárias (Jean Dubois et al., Dictionnaire de Linguistique, s. v. cas).