Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual a pronúncia correta: "Roraima", "Rorãima" ou "Roraíma"?

Muito grato pela atenção.

Resposta:

Segundo Aldo Bizzocchi (artigo "A pronúncia correta de `Roraima´", na revista em linha Língua Portuguesa), «podemos dizer indiferentemente "roráima" ou "rorâima": ambas as pronúncias são corretas e legítimas em português», porque «não há oposição fonológica (isto é, distinção de significado) entre vogais abertas e fechadas antes de consoante nasal».1

Do ponto de vista histórico, parece ter havido certa vacilação, conforme se aponta em nota sobre a  formação do gentílico roraimense no Dicionário Houaiss, na qual se lê que «no início do sXX, a pronúncia ainda alternava Roraíma/Roráima/Rorãima». Sobre Roraíma, diz Bizocchi (op. cit.) que se trata da «pronúncia original do nome no idioma taurepang[ue]».2 Refira-se ainda que no Sul do Brasil, existe a tendência a pronunciar "Rorãima", muito embora os profisisonais de televisão (em especial os da TV Globo) usem "Roráima", tida por pronúncia mais correta porque, ao que parece, é a dos habitantes desse estado brasileiro.

1 No português de Portugal, há oposição fonológica entre a aberto e a fechado, embora não muito produtiva, antes de nasal bilabial, ou seja, m, de acordo com Paul Teyssier, Manual de Língua Portuguesa (Portugal-Brasil), Coimbra Editora, 1989, pág. 23 (o símbolo [ä] representa o a fechado, e š é equivalente a ʃ, ou seja, corresponde ao segmento associado à letra  x em baixo; manteve-se a ortografia do original):

Pergunta:

Qual o plural de urso-panda? É ursos-panda?

O urso-panda também é denominado como panda-gigante. Qual é o plural de panda-gigante? É pandas-gigantes?

Muito obrigado.

Resposta:

Entre vários dicionários consultados (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, iDicionário Aulete, Dicionário Houaiss), nenhum regista urso-panda, somente panda, para designar uma certa espécie de urso. No entanto, é certo que por vezes se diz e escreve «urso panda», conforme se pode verificar no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa e no Corpus do Português de Mark Davies e Michael Ferreira. Dado que panda, que é substantivo, aparece a especificar urso, é legítimo que, por um lado, se escreva urso-panda, com hífen, à semelhança de urso-pardo, e que, por outro, o plural seja ursos-panda, uma vez que o segundo substantivo se comporta como um adjetivo (cf. palavras-chave). Quanto a panda-gigante, este, sim, registado na maior parte fontes consultadas, o plural é pandas-gigantes.

Pergunta:

Sendo a palavra secundário referente a um assunto em segundo lugar ou segunda posição numa lista, o que motivou a usar c em vez g (ex.: secundário, e não "segundário"). A pergunta coloca-se ao contrário, agora para a palavra segundo, que também tem origem no latim secundus.

Resposta:

A presença de g em segundo e de c em secundário, apesar de ambas as palavras estarem historicamente (etimologicamente) relacionadas com o latim secundus, deve-se ao facto de elas terem surgido em português por processos de transmissão diferentes: segundo terá sido transmitida por via popular (as palavras latinas que tinham [k] intervocálico viram-no passar a [g]: AQUA ([ˈakwa] > água); secundário apareceu por via erudita, proveniente do latim clássico, sem sofrer grandes alterações fonéticas.

Pergunta:

O que significa «taxonomia baconiana»?

Obrigada!

Resposta:

Considerando que taxonomia (melhor que taxinomia) significa «ciência da classificação», e que baconiano (pronunciado "beiconiana") é adjetivo relativo ao baconismo ("beiconismo"), isto é, à doutrina de Francis Bacon (1561-1626), «voltada para a formulação dos métodos básicos da pesquisa científica (observação da natureza, experimentação, indução etc.)» (Dicionário Houaiss), a expressão «taxonomia baconiana» deve ser interpretada como «classificação concebida de acordo com a doutrina de Francis Bacon».

Pergunta:

Que significa mânfio?

Resposta:

A palavra mânfio, que pertence a registos informais, se não mesmo baixos, do português europeu, significa «pessoa de baixo caráter, sem escrúpulos e de comportamento duvidoso», segundo O Novo Dicionário do Calão (Lisboa, Casa das Letras, 2005), de Afonso Praça. O Dicionário de Expressões Populares Portuguesas (Lisboa, Edições D. Quixote, 1995), de Guilherme Augusto Simões, regista a mesma palavra numa aceção muito semelhante («malandrim», «tipo esperto»), embora também lhe atribua sentido mais neutro («indivíduo») e outro em aparente contradição com os que já foram apresentados — «polícia». Refira-se que a palavra não se encontra nos dicionários gerais consultados (Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, Dicionário Houaiss, iDicionário Aulete) e que, sobre a origem de mânfio, as fontes que o registam nada adiantam.