Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Ao ler uma notícia sobre a doença do António Sala, conhecido como sendo colaborador e locutor da Rádio Renascença, fiquei admirada por lhe atribuirem a profissão de radialista. Será esta uma palavra portuguesa, ou emprestada dos brasileiros? É correcto usá-la na língua portuguesa? Agradecia me dessem uma resposta, se possível.

Resposta:

À palavra radialista é realmente atribuída origem brasileira, o que só por si já a faz pertencente à língua portuguesa (cf. Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, numa edição de 1991, e dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, publicado em 2001). A palavra é conforme aos padrões estruturais do português e, em Portugal, o seu uso conhece atualmente certa popularidade (o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa regista-a, com significado de «locutor de rádio»): não se vislumbra, portanto, nenhuma incorreção que impeça o seu reconhecimento como palavra legítima.

Pergunta:

A palavra viés pode ser usada (no contexto de ciências experimentais e estatística) com o sentido de erro sistemático originado por causas alheias ao normal desenrolar das experiências? (Isto é, o que em inglês se chama bias.)

Resposta:

É legítimo usar viés com o significado descrito na pergunta, uma vez que a palavra se encontra assim definida, por exemplo, no Dicionário Houaiss: «tendência geral ou determinada por forças externas. Ex.: o viés inflacionário de certa medida econômica» (ver também o iDicionário Aulete). Outra palavra possível é enviesamento, tal como é usada numa tradução para o português de Portugal:

«The clarification of 8 May that the Governing Council aims to maintain inflation rates below, but close to, the upper bound of the definition, shows the ECB´s commitment in providing a sufficient safety margin to guard against the risks of deflation and also addresses the issue of the possible presence of a measurement bias in the HICP and the implication of equilibrium inflation differentials within the euro area.»

«A clarificação efectuada a 8 de Maio, de que o Conselho do BCE visa manter as taxas de inflação num valor inferior mas próximo do limite superior da definição, revela o empenhamento do BCE em proporcionar uma margem de segurança suficiente para a prevenção contra os riscos de deflação e contempla igualmente a possível existência de um enviesamento de medida do IHPC e as implicações da possível existência de diferenciais de inflação de equilíbrio no seio da área do euro.»

Pergunta:

Como se deve pronunciar o nome Eduardo?

É correto dizer "Iduardo"?

Muito obrigado.

Resposta:

Em Portugal, é correto dizer "iduardo". Tradicionalmente, no começo de palavra, em sílaba átona pré-tónica, um e é pronunciado ou lido como [i] — embora haja exceções. Não é, contudo, o caso de Eduardo, normalmente "Iduardo", talvez mais entre os falantes mais velhos do que entre os mais novos.

Pergunta:

Qual é a forma correta de pronunciar-se a palavra envelhecimento: com o e aberto em "envèlhecimento", ou fechado?

Resposta:

No português europeu, a pronúncia-padrão apresenta dois ee mudos (e não fechados) na sequência silábica átona -velhe- da palavra envelhecimento, conforme a transcrição fonética do dicionário da Academia das Ciências de Lisboa ([ẽvɨʎɨsiˈmẽtu]; ver também Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora). No entanto, existe realmente a pronúncia "envèlhecimento", com e aberto na sílaba átona -ve-, sobre a qual não há censura normativa explícita; portanto, julgá-la incorreta é uma inferência que se faz a partir do facto de ela não obedecer à regra geral do vocalismo átono do português europeu.

Mas, dado que existem muitas exceções a esta regra, havendo palavras derivadas que mantêm o timbre da vogal da sílaba tónica da base de derivação (por exemplo, bela > belamente), não se vê razão para rejeitar "envèlhecimento" (que integra velh-, o radical de velho, que tem e aberto), podendo esta ser aceite como uma variante não maioritária. Um caso semelhante ocorre com velhice, cuja primeira sílaba, que é átona, é articulada quer com e mudo (soando "v´lhice") quer com e aberto ("vèlhice") por falantes de Portugal.

Pergunta:

«"Mas em que raio de complicação é que nos fomos meter!?" — desabafou o Silva para/ao/com o Fagundes.»

Deve-se escrever: «desabafou para», «desabafou ao», «desabafou com»?

Muito obrigado.

Resposta:

Recomenda-se «desabafar com» (cf. Dicionário Sintáctico de Verbos Portugueses, Coimbra, Livraria Almedina, 1994, de Winfried Busse, e Vocabulário — Regime Preposicional de Verbos Lisboa, Didática Editora, de Cármen Nunes e Leonor Sardinha).