Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber se terá havido algum acordo ortográfico que tenha normalizado o uso de "pr´além" e "pr´áli", mantendo ou elidindo o apóstrofo, como em prò e prà.

Muito obrigado.

Resposta:

Como formas que procuram reproduzir na escrita formas próprias do registo informal, recomendam-se «pra ali» e «pra além», sem apóstrofo, seguindo critérios e disposições não do Acordo Ortográfico de 1990 (AO 90) mas, sim, com base no Acordo Ortográfico de 1945 (AO 45) em articulação com os comentários do Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa (1947) de Rebelo Gonçalves.

Explicando um pouco melhor:

1. O AO 90 é omisso em relação aos casos apresentados, mas no chamado AO 45 também não existem disposições específicas sobre tais situações, a não ser a respeito de sequências como «pra aquele» (pronunciado "pràquele"). Diz a Base XXIV do AO 45:

«Segundo o modelo das formas à e às, resultantes da contracção da preposição a com as flexões femininas do artigo definido ou pronome demonstrativo o, emprega-se o acento grave noutras contracções da mesma preposição com formas do mesmo artigo ou pronome, e bem assim em contracções idênticas em que o primeiro elemento é uma palavra inflexiva acabada em a. Exemplos: ò e òs, contracções da dita preposição (correspondentes às combinações normais ao e aos) com as formas o e os; prò, prà, pròs e pràs, contracções de pra, redução da preposição para, com as quatro formas o, a, os e as.

«Analogamente, ...

Pergunta:

Pretendo saber se franganota pode ser diminutivo de franga?

Obrigada.

Resposta:

Embora não seja impossível o uso de franganota como diminutivo, a verdade é que não é um diminutivo típico de franga. Além de valor diminutivo, o sufixo -ota adquire frequentemente tom depreciativo, tal como o sufixos correspondentes no masculino, -oto e -ote. No caso de franganota, esta palavra significa também «franga crescida», podendo até ter significação autónoma quando designa uma «rapariga/moça em idade de casar» (cf. Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, e Dicionário Priberam da Língua Portuguesa) ou simplesmente «rapariga/moça pré-adolescente», que é o que se passa no seguinte exemplo (de Aquilino Ribeiro, Terras do Demo, no Corpus do Português, de Mark Davies e Michael Ferreira):

«Rua abaixo vinha às corrimaças uma franganota dos seus dez anos que, vendo o charnequenho pelo braço do pároco, desatou às carcachadas.»1

Pode, portanto, dizer-se que em português franganota ganhou automomia (lexicalizou-se), não empregado como verdadeiro diminutivo.

Refira-se ainda que a lexicografia regista o masculino franganote, com o significado de «franguinho» (Dicionário Houaiss), mas também nas aceções de «frango crescido», «rapaz presumido» e...

Pergunta:

Sabendo que só as mulheres o podem fazer, como se deve dizer: «doador(es)», «dador(es)», «doadora(s)», ou «dadora(s) de óvulos»?

Resposta:

Em Portugal, prefere-se o termo dador/dadora («dador de esperma»/«dadora de óvulos»). Assim, verifica-se que se usa dador para referir, por exemplo, a «pessoa que aceita que, em vida (no caso de um rim, por exemplo) ou após a morte (no caso do coração), um órgão seja retirado do seu corpo a fim de ser transplantado no de um doente» (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa). Não sendo este o caso em apreço, o certo, no entanto, é que o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora (na Infopédia) inclui em dador a subentrada «dador de esperma», «indivíduo que doa o seu esperma para inseminação artificial», do qual se deduz a expressão «dadora de óvulo».
 
Nos dicionários elaborados no Brasil, prefere-se a palavra doador, pelo que este parece ser o termo mais corrente no português brasileiro quando se fala de técnicas de procriação ou mesmo de qualquer outro tipo de doação, de órgãos a bens (cf. Dicionário Houaiss e iDicionário Aulete).

Pergunta:

É correto utilizar-se o termo certo como interrogação/reconfirmação no final de uma afirmação?

Por exemplo: «Faltaste hoje ao trabalho, certo?»

Resposta:

Certo, como sinónimo do marcador discursivo «não é», é aceitável coloquialmente. O seu uso parece decalcado do right inglês, o que pode ser razão para ser rejeitado pela norma mais purista.

Contudo, observe-se que a tradição normativa tem alguma dificuldade em pronunciar-se sobre marcadores discursivos, porque estes ocorrem sobretudo na oralidade, que está mais exposta a fenómenos da moda (como foi o caso da interjeição chau ou tchau, que acabou por enraizar-se). Deste modo, torna-se difícil impor interdições numa modalidade de língua caracterizada justamente pela maior liberdade decorrente da comunicação que se estabelece num dado momento.

Do ponto de vista da linguística (ou, melhor, da sociolinguística) — e já fora do âmbito da produção de juízos normativos —, muito depende também da atitude do falante perante fenómenos sociais como a moda, o que se traduz, por exemplo, no contraste entre o falar cheio de inovações que constitui a gíria juvenil e o falar mais conservador dos mais velhos — questão que nos conduz ao problema dos registos e da variação da língua em função de vários estilos de comunicação.

Pergunta:

«Trocar por notas de cem», ou «Trocar em cem-cem»?

Grato.

Resposta:

Em Portugal, diz-se «trocar por notas de cem», mesmo informalmente, o que não invalida que, em Angola, na linguagem popular, se diga «trocar em cem-cem». No entanto, noutros contextos, por exemplo, no registo mais corrente ou formal, ou até mesmo perante falantes de outras variedades do português (a do Brasil, a de Portugal, a de Moçambique, etc.), convém recorrer à expressão mais neutra — «trocar por notas de cem» —, de modo a facilitar a comunicação. De qualquer modo, fica aqui feito o registo deste uso angolano.