Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Agradeço que me informem qual a opção correta: belga-suíço, ou belgo-suíço?

Resposta:

Diz-se e escreve-se belgo-suíço. Em relação a belga, gentílico de Bélgica, belgo- é a forma usada como primeiro elemento em compostos que combinam nomes e adjetivos pátrios (cf. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa). Se se tratar do segundo elemento do composto, mantém-se a forma belga; p. ex., luso-belga.

Pergunta:

O que significa «a descer todos os santos ajudam»?

Resposta:

O que o provérbio diz é que qualquer descida requer supostamente menos esforço que uma subida e se faz facilmente, ou seja, toda a descida pode ser "santa", no sentido de «fácil» (cf. «foi um santo dia», interpretável como «dia bom, agradável», como que favorecido pelos santos). O dito pode ainda aplicar-se a qualquer situação que seja encarada como o fim, ou a fase descendente, de um processo que se apresentava inicialmente árduo (o que metaforicamente é construído como uma subida). Mas, como todos os provérbios, há que saber interpretá-lo sem perder de vista o princípio de realidade, porque há certamente muitos caminhos em declive e escadarias que podem ter uma descida difícil, pela perícia que exigem para não serem ocasião de queda. 

Pergunta:

Gostaria de saber as raízes etimológicas da palavra erro.

Resposta:

Transcreve-se o que diz o Dicionário Houaiss: «[origem] contr[o]v[ersa]; para alguns, lat[im] ērror, ōris, `desvio, engano, falta, alt[eração] de error, doc[umentado] no port[uguês] arc[aico]; para outros, [derivado] regr[essivo] de errar [...].»

Acrescente-se que, segundo a mesma fonte, o verbo errar tem origem no «[verbo] lat[ino] erro, as, āvi, ātum, āre, `vagar, andar sem destino, apartar-se do caminho, perder-se´, donde fig[urativamente] `errar, cometer uma falta, enganar-se, hesitar, duvidar´».

Pergunta:

No México a palavra chamba é sinónimo de "trabalho", só que ao procurar a origem da palavra, achei no dicionario da Real Academia Española, que a origem é a língua portuguesa, específicamente o português antigo, e que o significado é "oportunidade". Não consigo achar algum lugar que confirme isso. Se vocês me podem ajudar, vou agradecer muito.

Resposta:

O espanhol mexicano chamba significa «trabalho», ao que parece, em resultado da extensão semântica de outro significado mais antigo, o de «oportunidade» (cf. Dicionário da Real Academia Espanhola). E efetivamente, por exemplo, no Diccionario Crítico Etimológico Castellano e Hispánico (Editorial Gredos), de Joan Coromines e José Antonio Pascual, propõe-se  que a palavra seja um empréstimo do português antigo chamba, «perna», que estaria relacionado como o occitano jamba, com o mesmo significado. Deparo-me depois com chamba no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, numa nota etimológica respeitante a chambão, que tem a variante chambã e se usa em duas áreas de significado: 1. «parte da carne da vaca ou vitela proveniente da perna, com nervos, tendões e matéria gelatinosa, sendo, por isso, considerada de menor qualidade», «osso com pouca carne, utilizado como contrapeso na venda de uma peça de carne» e «presunto; pernil»; 2. «que ou pessoa que é mal-educada, grosseira, rude» e «que ou o que é desajeitado, deselegante» (com estas aceções também ocorre como adjetivo). O que aqueles autores catalães (op. cit.) propõem é que o espanhol chamba deriva de chambón, que, como chambão, entendido como «grosseirão, tipo rude», se teria formado também com base no português arcaico chamba. No entanto, fica por esclarecer como chamba, «perna», conseguiu relacionar-se com as noções de grosseria e rudeza.

Pergunta:

Qual a origem do nome Gambão? Já o vi utilizado enquanto topónimo e sobrenome, mas não sei precisar qual a utilização "original", ou seja, se foi o topónimo que deu origem ao patronímico ou vice-versa.

Resposta:

Gambão é o nome de localidade do concelho de Machico, na Madeira, pelo que o apelido com a mesma forma pode ter surgido como alcunha de alguém relacionado com esse ponto geográfico. Não obstante, pode também tratar-se de variante (se se quiser, deturpação) do nome próprio, apelido/sobrenome Cambão, que, segundo José Pedro Machado (Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa), se encontra também como topónimo na Covilhã, em Tábua e no Brasil (serra da Baía e rio de Goiás) e  parece ter origem no substantivo comum cambão, «aparelho com que se liga uma segunda junta à do cabeçalho do carro», «pau a que se ligam as bestas dianteiras na atafona, nora, etc.», «pau com gancho para apanhar fruta», «associação de indivíduos que se conluiam para comprar objectos nos leilões a baixo preço», «junta de bois» (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa); contudo, percebe-se mal como estas aceções podem associar-se à necessidade de nomear um lugar. Uma outra aceção, «coxo, trôpego», permite explicar Cambão como alcunha referente a deficiência motora (cf. Francisco Martim Ramos e Carlos Alberto da Silva, Tratado das Alcunhas Alentejanas). Em suma, seja o apelido/sobrenome Gambão ou Cambão, é plausível que se trate de antigas alcunhas alusivas a aspetos individuais, como a proveniência ou a naturalidade e certas particularidades físicas.