Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Na frase «A Divina Comédia de Dante é uma obra inclassificável», inclassificável é um adjetivo qualificativo?

Resposta:

No contexto em causa, inclassificável é interpretável como «sem igual», «extraordinária», e é um adjetivo qualificativo, muito embora não permita a construção de grau, porque já, por si, é um adjetivo que tem inerente um processo de intensificação, sendo, neste caso, equivalente a «muito boa». É de sublinhar, no entanto, que o referido adjetivo costuma ser entendido negativamente, com os significados de «inqualificável» e «digno de censura ou reprovação» (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa; ver também Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa).

Observe-se que, no contexto apresentado, inclassificável é usado com um significado literal, dedutível dos seus próprios elementos constituintes (o prefixo in-, «não», e o adjetivo classificável, «que pode ser classificado»). É, portanto, natural que o exemplo em discussão possa ser encarado como marginal e constitua um desvio ao uso mais corrente de inclassificável.

Pergunta:

Como devemos pronunciar a capital de Marrocos: Rabat? O t é mudo em português? E qual a legitimidade do uso das formas Rabá e Rabate? E quanto à forma histórica Rebate, será ainda legítimo usá-la?

Muito agradecido.

Resposta:

Em 1966, Rebelo Gonçalves, no seu Vocabulário da Língua Portuguesa, registava Rebate como «forma ver[nácula] que pretere o estrangeirismo Rabat». Acontece, no entanto, que, hoje em dia, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Porto Editora, publicado em 2009, é o único entre os vocabulários ortográficos atualizados disponíveis que regista este topónimo, não sob a forma Rebate, mas como Rabat, sem indicar outra configuração mais portuguesa, por exemplo, "Rabate", referida pelo consulente. Por outras palavras, por agora, os vocabulários ortográficos apenas atestam duas formas: Rebate, que se pode considerar mais adequada do ponto de vista filológico, porém, sem uso; e Rabat, cuja pronúncia oscila, em Portugal, entre "rábate" e rábá" (como acontece com Josafat), fugindo aos padrões da ortografia e da morfologia do português (termina em -t), mas que se impôs no uso da comunicação social e da própria prática de redação oficial (como sucede no seio das instituições europeias; cf. Código de Redação Interinstitucional).

Pergunta:

Gostaria de saber porque é que a palavra mini não leva acento, visto que há uma acentuação, ao dizer-se a palavra, na segunda sílaba a contar do fim. Compreendo que, em casos em que ela se encontra aglutinada, não leva acento, agora não percebo o porquê de não ser "míni".

Obrigado.

Resposta:

Do ponto de vista ortográfico, considera-se que se trata de um prefixo, que nunca têm acento gráfico. Observe-se, no entanto, que, como abreviação de minassaia, portanto, como palavra autónoma, toma acento: míni (cf. Dicionário Houaiss).

Pergunta:

Como pronunciar a cidade inglesa de Bristol? Devemos dizê-la "à portuguesa", isto é, foi assimilada pelas regras do português, ou devemos pronunciá-la em inglês?

Muito agradecido.

Resposta:

O nome em apreço, tanto em inglês como em português, tem sempre acento de intensidade na penúltima sílaba ("bris-").

No plano ortográfico, há uma forma vernácula, Brístol, registada por Rebelo Gonçalves no Vocabulário da Língua Portuguesa (1966). Tem acento gráfico na penúltima sílaba, de modo a indicar que, do ponto de vista fónico e prosódico, tal sílaba é tónica, tal como sucede na forma inglesa Bristol. No entanto, Brístol soa "bríchtol", enquanto o inglês Bristol é aproximadamente "brísstol". Em Portugal, são possíveis a duas pronúncias, mas, tendo em conta a existência da grafia Brístol, recomendo que se articule tal como lê, isto é, "bríchtol".

Pergunta:

Em primeiro lugar, quero agradecer a todos os que aqui colocam questões e a todos os que têm a amabilidade de apresentar as soluções para os nossos dilemas linguísticos. A minha questão é a seguinte: Na frase, «Ele sabe a lição de cor», «de cor» é uma locução adverbial, pelo que estaríamos perante um grupo adverbial. No entanto, este conjunto de palavras inicia-se por uma preposição. Devo, então, considerar que se trata, antes, de um grupo preposicional?

Resposta:

É um grupo adverbial.

Tendo em conta o Dicionário Terminológico (DT), parece haver contraste entre a classe a que pertence a expressão «de cor» do tipo de constituinte sintático que ela pode realizar, uma vez que, aparentemente, a expressão é constituída por uma preposição seguida de um substantivo, eventualmente sugerindo um grupo preposicional.

No entanto:

– «de cor» é uma locução adverbial como «em breve» ou «com certeza», isto é, funciona globalmente como uma unidade lexical, que, ao contrário das preposições, não é seguida por um complemento (cf. DT);

– se assim é, e embora seja introduzido por preposição, porque, como se disse, se trata globalmente de uma unidade lexical, trata-se de um constituinte que forma grupo adverbial.