Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual o processo de formação da palavra oligofrénico? Derivação por sufixação?

Resposta:

Efetivamente, trata-se de uma palavra derivada por sufixação: oligofren- + -ico (sufixo sem acento próprio e, por isso, o acento da palavra recua, tonando-a esdrúxula). Note-se que a base de derivação de oligofrénico é oligofren-, radical de oligofrenia, «deficiência do desenvolvimento mental, congênita ou adquirida em idade precoce, que abrange toda a personalidade, comprometendo sobretudo o comportamento intelectual» (Dicionário Houaiss). Oligofrénico significa, portanto, «respeitante a oligofrenia» ou «que ou aquele que sofre de oligofrenia» (idem).

Pergunta:

Qual é a tradução da palavra hebraica ruah e da grega pneúma?

Obrigado.

Resposta:

A palavra grega peûma, -atos, significa «sopro, vento, ar», «sopro divino, espírito» e «Espírito Santo». Foi adaptada ao português como pneuma, substantivo masculino que ocorre como termo especializado da filosofia (cf. Dicionário Houaiss).

A palavra hebraica ruah tem também significado semelhante a pneuma («hálito, ar») e é usada em português também como apelido entre indivíduos da comunidade judaica ou com ela relacionados (cf. José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa).

Pergunta:

Na expressão «o último aluno a chegar», a palavra último é, de acordo com a nova terminologia linguística, um adjetivo numeral?

Resposta:

Não é um adjetivo numeral, apesar de último ter associada uma ideia de ordem num conjunto*. Em vez disso, é um adjetivo qualificativo, mas com características muito especiais; por exemplo, não é graduável, nem aparece à esquerda do nome: *«o muito último cliente» (o asterisco indica agramaticalidade).

* Observa Evanildo Bechara, na sua Moderna Gramática Portuguesa (Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira/Editora Lucerna, 2009, pág. 206): «Último, penúltimo, antepenúltimo, posterior, derradeiro, anteroposterior e outros tais, ainda que exprimam posição do ser, não têm correspondência entre os numerais e por isso devem ser considerados meros adjetivos.»

Pergunta:

Eu gostaria de saber se as palavras abater, debater e combater têm alguma coisa em comum, ou seja, como foi formada cada palavra, ou se têm simplesmente um prefixo diferente.

Resposta:

A relação entre estes verbos é histórica, muito embora ainda hoje tenhamos a intuição de que estão relacionados morfologicamente, dada a proximidade que o português ainda mantém com a língua de onde eles provêm, o latim. Segundo o Dicionário Houaiss, estes três verbos têm em comum um mesmo radical de origem latina, bat-, do verbo latino battŭo (ou batuo), is, i, battuĕre, «bater, cascar, desancar, tundar, verberar, combater, brigar». Sendo assim, nos verbos em apreço, os elementos a- (ab-), de- e com- só historicamente são prefixos, mas do latim, não do português.

Pergunta:

Um aluno meu perguntou-me quando se deve usar «alguma coisa» e quando «qualquer coisa» e, sinceramente, não soube responder. A meu modo de ver, a diferença é unicamente relativa ao uso, e não ao significado, muito semelhante. Quer dizer, o normal é ouvir, por exemplo, «desculpe qualquer coisa» ou «há qualquer coisa de errado», e nesses contextos seria menos frequente usar «alguma coisa», embora não seja errado.

Agradecia que algum dos vossos especialistas me desse a sua opinião sobre o assunto.

Obrigada.

Resposta:

Nas expressões «alguma coisa» e «qualquer coisa», os valores de alguma e qualquer1 são bastante próximos e até se confundem em certos contextos, como, por exemplo, nas interrogações, podendo usar-se indiferentemente:

1) «Queres comer alguma/qualquer coisa?»

Em 1), «alguma coisa» e «qualquer coisa» são expressões praticamente sinónimas, equivalentes a algo, que, como pronome indefinido, não é muito usado em português coloquial.

No entanto, verifica-se que, com o indefinido algum, se pressupõe a existência de alguém ou alguma coisa, enquanto com qualquer se pretende aludir à identificação de alguém ou alguma coisa. Estes valores semânticos também se evidenciam no uso de «alguma coisa» e «qualquer coisa», com maior clareza em certos contextos. Por exemplo, numa frase imperativa, proferida num restaurante, pode dizer-se:

2) «Para beber, traga qualquer coisa, tanto me faz.»

Já não parece tão natural o seguinte exemplo:

3) ? «Para beber, traga alguma coisa, tanto me faz.»

A frase 3) é estranha, não simplesmente porque não é hábito usar «alguma coisa» nesse contexto, mas porque alguma não parece compatível com a manifestação de indiferença quanto à identificação ou tipo da coisa que é pedida.

Note-se que, sobre qualquer, Pilar Vázquez Cuesta e M.ª Albertina Mendes da Luz, na Gramática da Língua Portuguesa (Edições 70, 1980, p. 514; ver também a versão original em espanhol, da Editorial Gredos), referem que a palavra serve para individualizar «um indivíduo ou grupo extraído indiferentemente doutros da mesma esp...