Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual é diferença entre lazer e ócio, que ambos significam «tempo livre»?

Obrigada.

Resposta:

Não há diferença apreciável, podendo por vezes as palavras em referência ocorrer até nos mesmos contextos:

(i) «Momentos de lazer/ócio.»

No entanto, há contextos em que não é possível ocorrer uma palavra pela outra (o ? indica fraca aceitabilidade):

(ii) «Espaços de lazer.»

(iii) ? «Espaços de ócio.»

Além disso, enquanto lazer tem conotação positiva, com ócio pode vincar-se a associação à preguiça:

(iv) «Ele entregou-se a uma vida de ócio.»
(v) ? «Ele entregou-se a uma vida de lazer.»

É de notar ainda que ócio tem derivados em que a noção de preguiça e desperdício de tempo é bem saliente (cf. Dicionário Houaiss): ocioso («vida ociosa» = «vida improdutiva»; «é ocioso» = «é inútil»); ociosidade, «preguiça, indolência, moleza». Em contrapartida, é curioso constatar que lazer não parece ter derivados.1 Acrescente-se ainda que a conotação de ócio com a preguiça ou inclusivamente o desleixo fica realçada, quando comparamos os eventuais sinónimos da palavra com os que são atribuíveis a lazer (exemplos J. I. Roquete e J. Fonseca, Dicionário dos Sinónimos, Lello Editores, 1974): «lazer – vagar, ócio, passatempo»; «ócio – desocupação, inação, ociosidade, folga, quietação, férias, desleixo.»

1 Não têm origem em lazer as palavras lazeirar, «estar faminto», e lazeira, «fome, miseria», «lepra» e «preguiça» (cf. Dicionário Houaiss): este é um derivado regressivo daquele; quanto a lazeirar, tem origem obscura, embora se sugira que é alteração de lacerar, do «latim lac...

Pergunta:

A. Na Abertura de 12/11/2013 diz-se: «Palavras como história, área ou vário, que têm encontros vocálicos átonos em posição final, têm um acento gráfico que as torna aparentemente esdrúxulas (ou proparoxítonas), mas a verdade é que são graves (ou paroxítonas), e daí chamar-se-lhes "falsas esdrúxulas".»
B. Na resposta a que alude a Abertura, pode ler-se: «Remédio é, de facto, uma palavra esdrúxula (ou proparoxítona), pois a sílaba tónica recai na antepenúltima sílaba: re-mé-di-o (cf. Dicionário da Divisão Silábica, do Portal da Língua Portuguesa).»
Fiquei com as ideias ligeiramente baralhadas. Então, a palavra história pode ser designada das três formas: grave, esdrúxula e esdrúxula aparente?
Embora se trate de um caso especial, parece-me razoável e muito mais simples chamar-lhe apenas esdrúxula. Sempre foi essa a perspetiva que adotei nas minhas aulas.
Abraço à equipa do Ciberdúvidas.

Resposta:

A perspetiva que adotou na suas aulas é legítima, pois justifica-se por razões pedagógicas e didáticas.

No entanto, convém lembrar que já no Acordo Ortográfico de 1945 (AO 45) não ficava absolutamente claro o estatuto dos encontros vocálicos pós-tónicos.

Com efeito, na Base XIX do AO 45, em referência ao uso de acento cicunflexo nas proparoxítonas, incluem-se como exemplos palavras que apresentam encontros vocálicos pós-tónicos, deixando inferir que estes são tratados como hiatos e as palavras onde figuram são proparoxítonas ou esdrúxulas:

«As vogais tónicas a, e e o de vocábulos proparoxítonos levam acento circunflexo, quando são seguidas de sílaba iniciada por consoante nasal e soam invariavelmente fechadas nas pronúncias normais de Portugal e do Brasil: câmara, pânico, pirâmide; fêmea, sêmea, sêmola; cômoro. Mas levam, diversamente, acento agudo, que nesse caso serve apenas para indicar a tonicidade, sempre que, encontrando-se na mesma posição, não soam, todavia, com timbre invariável: Dánae, endémico, género, proémio; fenómeno, macedónio, trinómio

No entanto, verifica-se que na Base XIII se diz que tais encontros vocálicos podem ser ditongos:

«3.° Além dos ditongos orais propriamente ditos, os quais são todos decrescentes, admite-se, como é sabido, a existência de ditongos crescentes. Podem considerar-se no número deles os encontros vocálicos postónicos, tais os que se representam graficamente por ea, eo, ia,

Pergunta:

Numa noticia intitulada «Mais de metade da população portuguesa recebe uma prestação social», ocorre a frase «O ministro Pedro Mota Soares revelou, esta segunda-feira, que mais de metade da população portuguesa recebe uma qualquer prestação social, defendendo que o Rendimento Social de Inserção é uma prestação em contraciclo.»

Tentei obter o significado de contraciclo, em vários dicionários, mas sem sucesso. Poderiam dizer que dizer contraciclo?

Antecipadamente obrigado pela resposta.

Resposta:

A palavra contraciclo já se encontra dicionarizada. Encontramo-la registada, por exemplo, no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora (disponível na Infopédia):

«fenómeno que contraria o sentido dos acontecimentos ou a direção de um processo;  em contraciclo: contrariando a situação geral; a/em contraciclo com: no sentido contrário a/de.»

Veja-se também no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa.

Pergunta:

Qual a classe e subclasse a que pertence a expressão «ou seja»?

Resposta:

Não tem classe de palavras especial, antes devendo ficar incluída entre os marcadores de discurso, mais especificamente, entre os reformuladores com função de explicação ou retificação (cf. Dicionário Terminológico, C 1.1.1 Comunicação e interação discursivas).

Pergunta:

Precisava que me esclarecessem sobre o significado de uma expressão idiomática do português.

O que significa «puxar o pé para a chinela»?

Obrigada.

Resposta:

A expressão «puxar-lhe o pé para a chinela» ou «... para o tamanco» significa «ter tendência a ser ordinário», segundo Orlando Neves, no seu Dicionário de Expressões Correntes, Lisboa, Diário de Notícias, 2000. Guilherme Augusto Simões (Dicionário de Expressões Populares Portuguesas, Edições D. Quixote, 1993) igualmente regista esta expressão, ao mesmo tempo que acolhe «fugir o pé para a chinela» com o mesmo significado. Observe-se que «puxar o pé para» significa genericamente «sentir-se atraído», conforme também regista Orlando Neves (idem).