Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

O verbo debitar selecciona que preposição: de, ou em?

Tenho ouvido e lido coisas como «debitar na minha conta», mas, como o sentido é negativo, de subtracção, diria que o de é mais apropriado (como em «concordar com» e «discordar de»).

Obrigado.

Resposta:

«Debitar na conta» não está incorreto.

Na verdade, conta significa «registo», e debitar, «lançar (um determinado valor) no débito (parte da conta)» (cf. Dicionário Hoauiss). Sendo assim, está correta a expressão «debitar na (minha/tua/sua...) conta», uma vez que se trata de lançar um determinado valor na conta de alguém. Regista-se também «debitar uma conta», «retirar dinheiro de uma conta para fazer face a um pagamento» (dicionário da Academia das Ciências de Lisboa). Acaba, portanto, por se revelar menos adequada «debitar de uma conta», porque debitar, a rigor, não tem a mesma semântica nem o mesmo comportamento sintático que subtrair, retirar (de), ou descontar (de).

Pergunta:

Desejo saber qual é a origem do -c- das formas perco, perca, percas... (do verbo irregular perder) partindo da forma latina, que tinha -d-: perdo, perdis, perdere, etc.

Obrigado.

Resposta:

Não parece haver uma resposta satisfatória.

Sabe-se que a forma perco (de cujo radical se formam a flexão do presente do conjuntivo: perca, percas, perca...) não parte, como é evidente, do verbo em latim clássico, mas talvez tenha surgido por analogia, como se defende em nota etimológica do Dicionário Houaiss (s. v. perder):

«latim perdo, is, dĭdi, ditum, ĕre, "perder, deitar a perder, causar a perda de, destruir, arruinar"; a 1.ª pessoa do indicativo presente perco, que não procede diretamente do latim perdeo > arcaico perço, se explica, segundo Williams, pela influência do antigo venco (atual venço), seu antônimo [...].»

Note-se que perdĕo é forma hipotética aceite por Edwin B. Wiliiams1 para explicar a forma perço do português e do galego medievais.

 

1 «Williams» é referência à obra de Edwin B. Williams, Do Latim ao Português, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 2001, pág. 233.

Pergunta:

Minha dúvida é sobre a regência do verbo auxiliar.

Devo dizer «este programa auxiliou a detecção de erros», «este programa auxiliou à detecção de erros», ou «este programa auxiliou na detecção de erros»?

O dicionário indica que auxiliar é transitivo direto, porém acredito que se considerem «pessoas» como objeto direto e «detecção de erros» como complemento.

Por exemplo: «Este programa auxiliou-nos na detecção de erros.» Ao se retirar tal objeto, a forma correta da construção apresentada seria, portanto, «este programa auxiliou na detecção de erros»?

Resposta:

Pode escrever com igual correção «este programa auxiliou a detecção de erros» e «este programa auxiliou na detecção de erros».

Com os significados de «contribuir (para)» e «facilitar», o verbo auxiliar pode ser usado quer como verbo transitivo direto quer como transitivo indireto; ex.: «a contenção da violência urbana auxilia a melhoria da imagem do país»; «a comunidade auxiliou muito na última campanha» (do Dicionário Houaiss).

O verbo em referência pode ainda ser utilizado noutras aceções (cf. idem):

– «dar auxílio a; ajudar, socorrer»: «auxiliou o acidentado» (transitivo direto); «auxiliamos os refugiados na remoção para outros países» (bitransitivo);

– «trabalhar junto a alguém mais experiente ou graduado, na qualidade de ajudante, assistente etc.»: «auxilia o chefe do departamento» (transitivo direto).

Pergunta:

A palavra "coensaio" existe? Pela lógica de coeducação, é correto usar "coensaio"? Ou "co-ensaio"?

Resposta:

Ao abrigo do novo acordo, deve escrever coensaio.

Note-se que, no âmbito do anterior acordo – o de 1945 –, deveria escrever-se co-ensaio, com hífen, conforme a Base XXIX, 9.º:

«9.°) compostos formados com o prefixo co-, quando este tem o sentido de «a par» e o segundo elemento tem vida autónoma: co-autor, co-dialecto, co-herdeiro, co-proprietário; [...].»

Pergunta:

Relativamente à posição dos pronomes pessoais em adjacência verbal, uma das regras é que o pronome deve ser colocado antes do verbo quando está integrado numa oração subordinada.

Ex.: «Tu prometeste que consertarias a fechadura.»/«Tu prometeste que a consertarias.»

Então, por que motivo na frase «Não te preocupes, que ele repõe o dinheiro», se tivermos de substituir «o dinheiro» por um pronome pessoal, a frase fica «Não te preocupes, que ele repõe-no.» Nesta frase o pronome também não está integrado numa oração subordinada?

Obrigada.

Resposta:

Trata-se de uma exceção. Na frase «Não te preocupes, que ele repõe-no», a conjunção que introduz uma oração coordenada, e não subordinada, tendo valor explicativo, como sinónimo de pois. Dado que esta conjunção (mais recentemente denominada advérbio conetivo) não exige que o pronome átono preceda o verbo, ou seja, não funciona como atrator da próclise, compreende-se que a conjunção que revele o mesmo comportamento quando ocorre com o referido valor semântico.