Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria e saber a origem das seguintes expressões:

– «mariquinhas pé de salsa»;

– «pobre diabo».

Obrigado.

Resposta:

Nas fontes a que tive acesso, não encontrei a génese factual das expressões em apreço. Sobre a primeira, resultado da associação de mariquinhas, «indivíduo efeminado, medroso», e pé de salsa (antes do Acordo Ortográfico de 1990, pé-de-salsa) «efeminado» (cf. Orlando Neves, Dicionário de Expressões Correntes, Diário de Notícias, 2000), é plausível que as palavras constituintes tenham valor metonímico (maricas, do hipocorístico Marica, de Maria, como o mesmo que mulher, dada a grande frequência do referido antropónimo) e metafórico (pé de salsa, como alusão à noção de «delicadeza»), aos quais se associam conotações depreciativas, que assentam em estereótipos sobre a masculinidade e a feminilidade (como se fosse dito: «um homem não deve ser medroso, porque isso é próprio das mulheres»).

Quanto a «pobre diabo», não é de excluir a possibilidade de a expressão ter entrado no português por via do francês «pauvre diable», locução nominal que não deveria ser infrequente nos livros que no século XIX a França exportava para todo o mundo, incluindo o Brasil e Portugal (com as suas colónias).

Pergunta:

Tenho-me deparado em alguns textos com a expressão e. a., utilizada da seguinte forma: «ver e. a. in Oliveira Marques 1984». Percebo que é usada para remeter para uma fonte/referência, mas o que significa? E é correcto usar esta forma escrita?

Obrigada!

Resposta:

A abreviatura e. a. está registada no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa como o mesmo que et alia, locução latina que significa «e outros». O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras também regista E. A., mas com maiúsculas, como abreviatura de «esquerda alta», expressão usada na marcação teatral. Ora bem, o caso em referência não parece aceitar nenhuma destas interpretações, pelo que se afigura aconselhável atender ao contexto de ocorrência. Sendo assim, é plausível interpretar a abreviatura em questão como «este assunto», devendo a frase ler-se como «ver este assunto in Oliveira Marques 1984».

Pergunta:

O adjetivo gigantesco é relacional, ou qualificativo?

Resposta:

Trata-se de um adjetivo que está na fronteira entre os adjetivos relacionais e os qualificativos. Por um lado, gigantesco tem um sentido equivalente a «que é próprio de um gigante» e arrisca tornar redundante o seu uso no superlativo: «um edifício muito gigantesco» afigua-se logo pleonástico, porque gigantesco já encerra, por si só, um processo de intensificação, que decorre da sua relação com gigante). Por outro lado, podemos considerá-lo um adjetivo qualificativo, como a sua ocorrência pré-nominal parece sugerir: «uma gigantesca promoção».

Pergunta:

A frase «vou me repousar» está correta?

Resposta:

Os dicionários consultados (Dicionário Houaiss, dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, Dicionário UNESP do Português Contemporâneo) indicam que o verbo repousar se usa sem pronome reflexo: «vou repousar». Embora seja de admitir que essa construção ocorra coloquialmente em variedades do português (que não puderam ser identificadas para esta resposta), o certo é que o emprego deste verbo com o pronome se não se recomenda à luz da norma.

Pergunta:

Muito agradeço me informem sobre a origem da expressão pá-a-pá-santa-justa (transcrevo-a como a encontrei no Dicionário Houaiss).

Aproveito para felicitá-los pelo vosso trabalho e faço votos para que continuem a tirar-nos as dúvidas com que tropeçamos todos os dias.

Resposta:

Não foi possível determinar a origem desta curiosa expressão.

Como advérbio, pá-a-pá-santa-justa é a forma registada no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, nas aceções de «de forma completa e detalhada; fielmente» («fazer uma coisa pá-a-pá-santa-justa», idem). No entanto, esta fonte não tem associada nenhuma nota etimológica a esta entrada.

A expressão ocorre duas vezes no Corpus do Português de Mark Davies e Michael Ferreira – grafada como uma locução, «p-a-pá, Santa Justa» – mais concretamente em textos de ficção publicados em Portugal e no Brasil entre o final do século XIX e a primeira metade do século XX:

(1) «– [...] Isto aqui está muito quente. Vou com o Costa para os castanhais..

– Para os castanhais?

– P-a-pá, Santa Justa. Partimos depois de amanhã.» Inglês de Sousa, O Missionário, 1891

(2) «Em casa do Narciso contou-se-lhe a bacorice toda da mulher, p a pa santa Justa, com o Brás posto num lázaro em dia de feira, e o Narciso esfaqueado na procissão de Nossa Senhora, de estandarte em punho.» Manuel Ribeiro, A Planície Heróica, 1927

Encontra-se também um pouco mais tarde num manual de condução, da autoria de Estevez Pinto e Urbanez e publicado em Portugal em 1947 com o título O Instrutor Rápido (p-a-pá Santa Justa).