Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber a origem da palavra "usina". Podem ajudar-me?

Muito obrigada.

Resposta:

O termo usina, com o significado de «fábrica», de uso corrente no Brasil, é adaptação do francês usine, que tem a seguinte etimologia: «[...] usine (1732) `estabelecimento industrial munido de máquinas; loja, ateliê, oficina´ "de wisine, vocábulo dialetal do norte, atestado desde 1274 num texto de Valenciennes, alteração, talvez por influxo de cuisine, do picardo ouchine, variante oeuchine, do latim officina", segundo J. Picoche [...]» (Dicionário Houaiss).

Pergunta:

Alguém sugeriu que a origem de companheiro seria «o que come pão connosco», do latim «cum pannis». Companheiro, originalmente, seria assim aquele que acompanha à mesa.

Podem confirmar?

Obrigado.

Resposta:

A palavra companheiro – já aqui abordada – tem de facto que ver com com o latim, com o significado referido na pergunta, mas não de forma direta. Ter-se-á formado com base em companha, palavra que terá sido motivada por outra muito semelhante que se usava no latim da Gália e que decalcava uma expressão germânica. Uma explicação alternativa é considerá-la uma adaptação antiga do castelhano compañero, cuja base de derivação, compaña*, se ligaria à referida palavra vinda de França**. Convém atentar no que se diz no Dicionário Houaiss: «[do] latim vulgar *compania, formado de cum `com´ + panis `pão´, paralelo ao latim gaulês companìo, por sua vez, decalque do germânico gótico gahlaiba, de ga `com´ + hlaiba `pão´; segundo [Antenor] Nascentes, o signficado do latim vulgar *compania `conjunto de pessoas que comem seu pão juntamente´ ter-se-ia generalizado para `pessoas que vão juntas´ e, depois, se especializado, como termo militar e para fazer referência à `tripulação de uma embarcação´; [...]; formas históricas sXIV cõpanha, sXIV conpaña, sXV cõpãha

Sobre

* Companhia é uma variante de companha e também se atesta na Idade Média. Hoje é a palavra mais empregada nos sentidos de «presença de outra pessoa» e «empresa».

Pergunta:

O verbo "aprochegar" existe? É que não consta do dicionário.

Obrigado.

Resposta:

Aprochegar-se existe como palavra com certo cunho humorístico e está mesmo dicionarizada, no sentido de «aproximar-se» – por exemplo, no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. Também o Dicionário de Expressões Populares Portuguesas (Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1994), de Guilherme Augusto Simões, regista aprochegue-se, com o significado de «aproxime-se». Os dicionários brasileiros também acolhem este verbo, como amálgama de aproximar-se e chegar (ver Aurélio XXI e Dicionário Houaiss).

Pergunta:

Na frase «se bem me lembro, era raro ele meter-se em confusões», como se deve fazer a divisão e classificação de orações?

Bem-haja pela ajuda.

Resposta:

Numa análise convencional, mas já baseada no Dicionário Terminológico, há três orações na frase:

a) subordinante: «era raro ele meter-se em confusões»;

b) subordinada substantiva completiva não finita de infinitivo [com a função de sujeito de a)]: «ele meter-se em confusões»;

c) subordinada adverbial condicional: «se bem me lembro».

De salientar que, numa análise mais especializada (já fora do âmbito dos conteúdos dos ensinos básico e secundário), a oração classificada em b) é uma estrutura condicional de enunciação, de acordo com a proposta da Gramática do Português da Fundação Calouste Gulbenkian (2013, pp. 2024/2025).

Pergunta:

Não entendo bem como funcionam os apelidos em português: quantos há normalmente, qual se põe antes – acho que é o da mãe –, porque alguém que se chama Fernando João Duarte do Carmo Abrantes Fernandes simplifica em Fernando Fernandes.

Gostaria que me explicassem tal coisa.

Muito obrigada.

Resposta:

Pelo menos, em Portugal, a tradição[1] manda que o nome de um indivíduo seja formado por:

nome próprio (pode ter dois) + apelidos da família da mãe (até dois) + apelidos da família do pai (até dois).

Por exemplo:

1 – Joana Simões Lemos

Em 1, Joana é o nome próprio (o primeiro nome), Simões é o apelido da mãe, e Lemos, o do pai.

Há pessoas que têm cinco ou seis nomes, entre nomes próprios e apelidos:

2 – Manuel João de Almeida Fontes Machado da Silva

Em casos como estes, a pessoa abrevia o nome, de acordo com o seu critério, embora a tendência seja a de usar apenas o primeiro e o último apelido, que é o do pai:

3 – Manuel da Silva

Às vezes, em casos como o de 2, usam-se os dois últimos apelidos, que, como se disse, coincidem geralmente com os que são recebidos pela linha paterna:

4 – Manuel Machado da Silva

O caso que a pergunta nos apresenta – Fernando João Duarte do Carmo Abrantes Fernandes – enquadra-se nas situações descritas em 2 e 3, daí a simplificação Fernando Fernandes.

Pode haver, é claro, exceções a este procedimento, mas o que exponho parece-me o mais típico da atual antroponímia portuguesa.

Note-se que o registo do nome está regulado em Portugal, mas é menos rígido do que acabei de explicar quanto à atribuição dos apelidos e à ordem por que aparecem (ver critérios para formação de um nome no