Carlos Marinheiro - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Marinheiro
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Carlos Marinheiro (1941–2022). Bacharel em Jornalismo pela Escola Superior de Meios de Comunicação Social de Lisboa e ex-coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa. Colaborou em vários jornais, sobretudo com textos de análise política e social, nomeadamente no Expresso, Público, Notícias da Amadora e no extinto Comércio do Funchal, influente órgão da Imprensa até ao 25 de Abril.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Há dias, tive uma "discussão" com um cidadão brasileiro, já que ele dizia que na faculdade um professor seu lhe tinha ensinado que se dizia "limitrofe" (assim mesmo, com a sílaba tónica em "tro", ficando a pronúncia "limitrófe") e não "limítrofe", com a sílaba tónica em "mí" como o próprio acento já indica.

Ora, consultei alguns dicionários brasileiros online e também surge sempre com a grafia limítrofe.

Gostava de saber se existirá realmente essa distinção entre o português daqui e de lá, ou se essa pessoa terá recebido uma informação errada por parte do seu professor.

Obrigado.

Resposta:

Houve informação errada do professor ou o «cidadão brasileiro» fez qualquer confusão, relativamente ao que lhe foi ensinado. O adjectivo escreve-se assim em Portugal ou no Brasil. Todas as obras consultadas o atestam: limítrofe

Limítrofe quer dizer «que se situa ou que vive nos limites de uma extensão, de uma região etc.; que tem limites comuns» e, em sentido figurado, «muito próximo; vizinho»; vem do «lat[im] tar[dio] limitrŏphus,a,um, de limes + trophus (< gr[ego] trophós "que alimenta", de trophein "alimentar"); encontra-se no Código Teodosiano (sV) o s[i]nt[agma] limitrophi fundi "terras distribuídas aos soldados de fronteira para a sua subsistência"; (...) ; f[orma] hist[órica] 1836 limitrofe, a1845 limitrophe».

Assim, pode ser que o professor lhe tenha ensinado que a palavra se dizia "limitrofe"... em 1836.

[Fonte: Dicionário Eletrônico Houaiss]

Pergunta:

Estou a consultar documentos emitidos no ano de 1931. Em grande parte deles e, sempre escrito pela mesma pessoa, aparece a palavra "ortugou" o contrato (por exemplo). Gostaria que me informassem, se possível, se este é um erro ortográfico, ou se, à data, esta era a forma correcta de escrever.

Obrigada.

Resposta:

Tudo indica que se trata de deturpação popular de outorgou (verbo outorgar). Na realidade, o verbo outorgar quer dizer, entre outras coisas, «pôr-se de acordo em relação a ou com (algo); aprovar, concordar»; «dar por direito; facultar, permitir»; e, como termo jurídico, «declarar por escritura pública (negócio)». A palavra deriva do «lat[im]*auctoricāre, v[erbo] freq[üentativo] de auctōro, as, āvi, ātum, āre (e mais freq[üentemente] auctōror, āri etc.) "dar algo em garantia, garantir, confirmar, autorizar; contrair uma obrigação, um compromisso; ajustar-se para servir ou para trabalhar"; prov[en]ç[al] autrejar, ant[igo] esp[anholismo] atorgar, esp[anhol] otorgar, ant[igo] fr[ancês] otreier > it[aliano] otriare, fr[ancês] octroyer; as f[ormas] autorigare (957), auttorcare (972), autorgare (988) já se registram no b[aixo]-lat[im] da península Ibérica e parecem refletir um cruzamento do lat[im] com o vern[áculo] outorgar; (...) ; f[orma] hist[órica] sXIII outorgar, sXV houtorguase, sXV outorgasees, sXV outrorgar "conceder, dar", sXIII outorgamos, sXIII outurgue, 1391 outorgey, sXIV autorgasse, sXIV outorguamos, sXV entorgou, sXV otorgou, sXV outorgô "concordar, consentir"».

[Fonte: Dicionário Eletrônico Houaiss]

Pergunta:

A palavra lancil está correcta quando nos queremos referir a rebordo de pedra num passeio?

Resposta:

O nome (substantivo) lancil (de origem obscura) é «elemento de cantaria, betão ou outro material, estreito e comprido, que se aplica nos bordos dos passeios, peitoris, etc.» Assim, em resposta à sua pergunta, está efectivamente correcta.

[Fonte: Dicionário da Língua Portuguesa 2008, da Porto Editora]

Pergunta:

Gostaria de saber se espessura já se escreveu "expessura".

Muito obrigada.

Resposta:

A palavra espessura vem de «espesso + -ura». O Dicionário Eletrônico Houaiss acrescenta ainda as grafias anteriores: «f[orma] hist[órica] sXIV espessura, sXIV espesura»

Quanto a "expessura", talvez seja a pronúncia usada em algumas regiões...

Pergunta:

Correto é «juros de mora», ou «juros da mora»?

Resposta:

A expressão correcta é «juros de mora». O substantivo (nome) juro é «quantia que remunera um credor pelo uso de seu dinheiro por parte de um devedor durante um período determinado, ger[almente] uma percentagem sobre o que foi emprestado; soma cobrada de outrem, pelo seu uso, por quem empresta o dinheiro» ou «renda ou rendimento de capital investido», como diz o Dicionário Eletrônico Houaiss; e acrescenta sobre o uso: «em todas as ac[e]p[ções], mais empr[egado] no pl[ural]» A palavra juro vem do «lat[im] jus,juris "direito, eqüidade, justiça; documentos que estabelecem um direito, títulos; legislação, atribuição legal; lugar em que se administra justiça; autoridade, poder, consentimento; condição, estado", pela f[orma] do abl[ativo], segundo AGC [Antônio Geraldo da Cunha]».

A palavra mora significa, em economia (o contexto aqui em causa), «quantia que se paga a mais em uma dívida pelo não cumprimento do prazo estabelecido para sua quitação»; vem do «lat[im] mora,ae, "demora, dilação, retardo, espera, espaço ou lapso de tempo, empecilho, estorvo, obstáculo"».