Carla Viana - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Viana
Carla Viana
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Carla Viana é licenciada em Linguística e mestranda em Linguística Computacional pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

 

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Ouço muitas vezes as pessoas a dizerem para colocar a expressão ou palavra «a negrito», mas a forma correcta não será «colocar a negrita»? Qual das duas se aplica?

Gostaria que me tirassem esta dúvida.

Resposta:

A expressão é «a negrito», uma vez que se refere ao tipo de letra ou carácter de traços que são mais grossos que o comum. Não é, portanto, a palavra que é "negrita", mas, sim, o tipo de letra que é do «tipo negrito».

Pergunta:

Gostaria de saber se a palavra sobressalto é uma palavra composta ou uma palavra derivada.

Resposta:

O substantivo sobressalto é um derivado regressivo do verbo sobressaltar (derivado por prefixação: sobre- + saltar). A derivação regressiva é um processo de formação de palavras particular da conversão (processo de formação de palavras que se distingue da derivação, propriamente dita, por não se verificar a junção de afixos à forma de base).

A derivação regressiva é um processo de formação de nomes a partir de verbos (também denominados de deverbais), em que se substituem os especificadores do radical verbal (vogal temática e flexão verbal) pelos especificadores do radical nominal (índice temático e flexão nominal):

sobressaltar > sobressalto

Pergunta:

Na frase «Claro que eu também admiro a inteligência dele...», qual é o valor morfológico de «claro»?

Obrigada.

E, em «nem que o espectáculo seja exultante», a oração é copulativa, não é verdade?

Resposta:

Na frase que indica, a palavra claro é um adjectivo que tem a função de predicativo do sujeito. A oração completiva, «eu também admiro a inteligência dele», associada à expressão «claro que» é sujeito do verbo ser (omitido na frase):

Claro que sim («eu também admiro a inteligência dele»).

Na sequência «nem que o espectáculo seja exultante», a expressão «nem que» é conjunção subordinativa concessiva e inicia uma oração subordinada em que se admite um facto contrário à acção principal, mas incapaz de impedi-la. Esta conjunção é sinónima das expressões «mesmo que» ou «apesar de».

Pergunta:

Será que é incorrecto dizer-se «adormeceu-se»?

«O menino adormeceu-se no sofá», ou «O menino adormeceu no sofá»?

Ou é correcto dizer das duas maneiras?

 

Resposta:

De acordo com o Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa, da Academia das Ciências de Lisboa, o verbo adormecer pode ser intransitivo e significa:

a) «fazer adormecer» ou «cair no sono» — «Pegou na criança para adormecer»;

b) «ficar em silêncio» — «A aldeia adormecera»;

c) «provocar sono» — «Fez um discurso capaz de adormecer a sala»;

d) «fazer perder» ou «perder a sensibilidade física» — «Uma pancada adormeceu-a»;

e) «fazer perder ou perder a intensidade» ou «acalmar» — «O tempo adormece as paixões».

Assim, a frase corre{#c|}ta em português europeu é «O menino adormeceu no sofá».

No entanto, o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (versão português do Brasil) indica que o verbo adormecer pode ainda ser intransitivo e pronominal na acepção «pegar ou deixar-se cair no sono, dormir»:

«A garota adormeceu.»

«Exausto, adormeceu-se na relva.»

Pergunta:

1. Na frase «O Luís comprou, ontem, um fato preto», qual é o predicado: «comprou, ontem, um fato preto», ou «comprou um fato preto»? E se «ontem» estiver no início da frase?

2. Os complementos circunstanciais integram, numa análise sintáctica, o predicado? Há regras para realidades específicas?

Grata pelos esclarecimentos sempre importantes.

Resposta:

Na frase que indica — «O Luís comprou, ontem, um fato preto» —, o predicado é «comprou, ontem, um fato preto». O predicado é o constituinte que inclui o grupo verbal e os modificadores do grupo verbal. O grupo verbal é o grupo de palavras que funciona como uma unidade sintáctica e que é constituído pelo núcleo (verbo) e pelos complementos exigidos por esse verbo:

[comprou] v [um fato preto] complemento directo

Os modificadores são constituintes não seleccionados pelo núcleo do grupo sintáctico que modificam (na gramática tradicional são também denominados de adjuntos ou complementos circunstanciais).

O modificador do grupo verbal «comprou um fato preto», presente na frase «O Luís comprou, ontem, um fato preto», é o advérbio ontem e desempenha a função sintáctica de modificador adverbial. O advérbio ontem é um constituinte adverbial que não é seleccionado por nenhum item lexical presente na frase. Seja qual for a posição que ocupe, o advérbio ontem, na frase em apreço, é sempre um modificador do predicado.

O facto de um modificador ser considerado modificador da frase ou do predicado depende do seu grau de abrangência. Por exemplo, na frase «Naturalmente, o Luís comprou um fato preto ontem», o modificador naturalmente transmite um sentido avaliativo («como era de esperar») e está num nível superior ao predicado, condicionando toda a frase.

De forma a distinguir um modificador de frase de um modificador de grupo verbal, poderão ser feitos alguns testes. Assim, os modificadores de frase permitem testes com interrogação por clivagem, sendo ...