Carla Viana - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Viana
Carla Viana
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Carla Viana é licenciada em Linguística e mestranda em Linguística Computacional pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

 

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Qual a regência do verbo vender?

Resposta:

O verbo vender selecciona um complemento directo (coisa vendida) e um complemento indirecto (pessoa a quem se vende, ou seja, o comprador):

(a) «Ele vendeu tudo ao Estado.»

O verbo vender pode ser usado pronominalmente:

c) «Vendeu-se aos poderosos.»

Nesta acepção, o verbo vender significa «alienar a sua liberdade, deixar-se subornar, perder a liberdade ou degradar-se em troca de dinheiro ou qualquer outro tipo de recompensa».

Opcionalmente, pode ter regência, ou seja, pode seleccionar um complemento preposicional introduzido pela preposição por, complemento que se refere ao valor da transferência da coisa (também animal e eventualmente pessoa) vendida:

a) «Ele vendeu tudo por tuta e meia.»

b) «Vendeu-se por alto preço.»

No exemplo a), o verbo vender significa «transferir alguma coisa em troca de dinheiro», «ceder ou alienar»; no exemplo b), significa «alienar a sua liberdade para atingir determinados objectivos».

Pergunta:

A palavra inglesa inedible é de origem latina (em latim edere — «comer»), que tem como cognatos edule, edulo e edível em português. Estava-me perguntando se não será possível, ainda que não estejam dicionarizadas, dizer "inedule", "inedulo" e "inedível".

Resposta:

As palavras edule, edulo e edível estão dicionarizadas como adjectivos sinónimos de comível, comestível, isto é, «que é próprio para ser comido». No Dicionário Houiass da Língua Portuguesa, o antónimo dos adjectivos edule, edulo e edível remete para antónimos do adjectivo comestível, ou seja, incomestível, incomível, intragável.

Sendo assim, e conforme mencionado na questão n.º 21679, a palavra inedible pode ter como traduções possíveis incomestível ou intragável, termos de uso mais corrente. Uma vez que os adjectivos edule, edulo e edível estão registados, penso que a formação de "inedule", "inedulo" e "inedível" é possível, dado que são palavras gramaticais de acordo com a regra de formação de adjectivos de negação iniciados por in-.

Pergunta:

Gostaria de tirar por favor uma dúvida: porta-retratos admite somente a forma no plural?

Muito obrigada.

Resposta:

O composto porta-retratos é um composto morfossintáctico por reanálise, ou seja, combina uma forma verbal flexionada na terceira pessoa do singular do presente do indicativo e uma forma nominal. O composto porta-retratos é um substantivo masculino singular e plural (não existe a forma "porta-retrato"). Se não fosse uma forma do plural, a flexão ocorreria no segundo constituinte, como guarda-roupa e guarda-roupas.

Pergunta:

Precisava de saber como devo classificar a palavra imagem. Será um nome concreto, ou abstracto?

Muito obrigado.

Resposta:

Depende. O substantivo imagem é concreto quando se refere, por exemplo, a «representação da forma ou do aspecto de um ser ou objecto por meios artísticos» ou a «representação de seres que são objecto de culto ou de veneração» (Dicionário Houiass da Língua Portuguesa). Nestes casos, aplica-se a um objecto ou entidade tipicamente tangível.

Mas imagem é um substantivo abstracto quando se refere a qualquer representação mental, como nos seguintes casos (idem):

— «opinião (contra ou a favor) que o público pode ter de uma instituição, organização, personalidade de renome, marca, produto etc.; conceito que uma pessoa goza junto a outrem»: «um político precisa cuidar de sua imagem»;

— «qualquer maneira particular de expressão literária que tem por efeito
substituir a representação precisa de um fato, situação etc. por uma
alegoria, visão, evocação etc.» (literatura): «imagens camonianas»;

— «elemento determinado pela aplicação de uma função em um determinado ponto» (matemática);

— «representação ou reprodução mental de uma percepção ou sensação anteriormente experimentada» (psicologia): «imagem olfactiva»;

— «representação mental de um ser imaginário, um princípio ou uma abstração» (psicologia): «a imagem do demónio, da democracia, círculo».

Pergunta:

Na oração «Maria estava em casa», qual a classificação do verbo? O predicado é verbal? Se «em casa» é adjunto adverbial, o verbo é intransitivo?

Procurei em várias gramáticas e não encontrei resposta satisfatória.

Resposta:

Os principais verbos copulativos são ser, estar, parecer, andar, continuar, ficar, permanecer, entre outros. Apenas o verbo ser é sempre copulativo. Os restantes verbos são verbos de significação definida que, em determinados contextos, perdem o seu sentido próprio e passam a funcionar como verbos de ligação, conforme:

«A Joana estava em casa.» (verbo pleno, significativo)

«A Joana estava feliz.» (verbo copulativo)

O predicado «estava» na frase «Maria estava em casa» é um predicado verbal. Um predicado verbal é um predicado onde existe um núcleo que é o verbo significativo.

A forma verbal «estava» na frase representa um verbo principal transitivo directo. Este é um verbo principal que selecciona um sujeito e um complemento com a função sintáctica de complemento adverbial:

«A Maria estava em casa/lá.»