Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
102K

Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Na frase, «Muitos vocábulos da língua latina são conhecidos para os meus discípulos», por que «para os meus discípulos» não pode ser agente da passiva?

Os discípulos não estariam fazendo a ação de conhecer?

«Os meus discípulos conhecem muitos vocábulos da língua latina.»

Disseram-me que é objeto indireto num curso que faço, mas ainda não entendi por quê!

Estaria, então, correta a regência «conhecido para alguém»?

Resposta:

Na frase transcrita em (1), o constituinte «para os meus discípulos» não é complemento agente da passiva pelo facto de não ser introduzido pela preposição por (ou pela preposição de), razão pela qual também não corresponde ao sujeito da frase ativa:

(1) «Muitos vocábulos da língua latina são conhecidos para os meus discípulos.»

Considera-se, por este motivo, que a frase apresentada em (2) é distinta da que se apresenta em (1), sendo esta, sim, uma construção passiva:

(2) «Muitos vocábulos da língua latina são conhecidos pelos meus discípulos.»

Para além disso, a palavra conhecidos, na frase (1), corresponde a um adjetivo usado em frase copulativa ao serviço da descrição de uma situação episódica de forma estática (ver esta resposta).

Por outro lado, não poderemos considerar que o constituinte «para os meus discípulos» desempenha a função de complemento indireto prototípico1 porque este não é substituível pelo pronome lhe:

(3) «*Muitos vocábulos da língua latina são-lhes conhecidos.»

Este constituinte pode, todavia, ser considerado, à luz da proposta de Bechara, um caso de dativo de opinião2, que o autor ilustra como exemplos como os seguintes:

(4) «Para ele a vida deve ser intensamente vivida.»

(5) «Para nós ela é a culpada.»

Isto significa que o constituinte «para os meus discípulos» poderá inclusive surgir noutro espaço da frase, como se confirma em (6):

(6) «Para os meus discípulos, muitos vocábulos da língua latina são conhecidos.»

Pergunta:

Gostaria de saber se é correto referirmo-nos a um intervalo de espera da seguinte forma:

«Depois de uma breve espera no aeroporto, à qual se somou um trajeto de uma hora e doze minutos, o seu voo aterrou finalmente em Miami.»

Por outro lado, existe algum antónimo de momento no que se refere à unidade de tempo? Ou seja, há alguma expressão que possa significar o contrário de «num momento».

Agradeço a resposta!

Resposta:

A frase apresentada em (1) está correta, pois no segmento «uma breve espera» o nome espera, que designa o «ato de esperar», ao ser modificado pelo adjetivo breve expressa a referência a um intervalo de espera curto:

(1)  Depois de uma breve espera no aeroporto, à qual se somou um trajeto de uma hora e doze minutos1, o seu voo aterrou finalmente em Miami.»

Relativamente ao nome momento, não existe um nome que funcione como um antónimo válido em todos os contextos, mas a análise do uso da expressão em cada contexto poderá permitir identificar palavras ou construções que nesse âmbito tenham o significado inverso, como acontece nos exemplos seguintes:

(2) «Num momento, chegou perto dele.» = «Muito tempo depois, chegou perto dele.»

(3) «Um momento foi importante para a decisão tomada.» = «Nenhum momento foi importante para a decisão tomada.»

Disponha sempre!

 

1. Por exemplo, o Dicionários Houaiss de sinónimos e antónimos não regista qualquer antónimo para a palavra momento.

Pergunta:

Relativamente à concordância do sujeito com a forma verbal, tenho algumas dúvidas.

Na frase «Eles afirmam serem professores de informática», o verbo ser concorda ou não?

«Eles afirmam ser professores de informática.»

Gostaria que me explicassem em que casos se aplica essa regra.

Obrigada!

Resposta:

Sendo o sujeito de ambas as orações o mesmo, o verbo ser não deve flexionar.

A regra geral diz-nos que o infinitivo deve ser flexionado (ou seja, concordar com o sujeito) quando o seu sujeito é distinto do sujeito da oração subordinante1, como acontece em (1):

(1) «Ele aconselhou os jovens a serem professores de informática.»

Nesta frase, o verbo ser concorda com o seu sujeito, «os jovens», surgindo na 3.ª pessoa do plural.

Quando o sujeito de ambas as orações é o mesmo, o verbo ser deve manter-se na forma de infinitivo simples:

(2) «Eles afirmam ser professores de informática.»

A interpretação de uma frase com esta estrutura é a de que quem é professor de informática é o conjunto de pessoas referidas como «eles».

Se o sujeito de ambas as orações fosse diferente, o verbo ser já concordaria com ele, como acontece em (3):

(3) «Ele afirma serem os jovens professores de informática.»

Nesta frase, ele é sujeito de afirmar e «os jovens» sujeito do verbo ser, daí este último surgir na 3.ª pessoa do plural.

Disponha sempre!

 

1. Para alguns casos particulares, vejam-se os textos relacionados.

Pergunta:

Na passada semana, usei a expressão «aferir a possibilidade» no sentido de verificar a possibilidade de, o que suscitou dúvidas ao destinatário que não entendeu o sentido.

Assim, gostaria de saber se estou certa na minha abordagem relativamente ao sentido/significado da expressão «aferir a possibilidade de».

Resposta:

O verbo aferir pode ser usado com o sentido que indica.

De acordo com o Dicionário da Língua Portuguesa, da Academia das Ciências de Lisboa (em linha), o verbo aferir pode ser usado com um significado mais concreto, com o sentido de «cotejar pesos ou medidas com padrões de referência; verificar a exatidão de instrumentos ou aparelhos de medição por comparação com outros considerados padrões legais» ou com um sentido mais figurado equivalente a «avaliar ou julgar, comparando, confrontando».

Com esta última significação, aferir pode combinar-se com nomes que designam realidades não materiais. Vejam-se várias possibilidades de construção identificadas numa pesquisa ao Corpus do Português, de Mark Davies:

(1) «aferir a disposição do governo»

(2) «aferir um recorde mundial»

(3) «aferir a força do partido a nível nacional»

(4) «aferir o comportamento do mercado»

(5) «aferir a viabilidade daquela construção»

(6) «aferir da sua importância na sociedade»

É possível também identificar usos da construção «aferir a possibilidade» numa pesquisa na internet (por exemplo, aquiaqui  ou

Pergunta:

Na frase:

«A isso se chama paralelismo sintático.»

Qual a função sintática do termo «a isso»?

Qual a função sintática do termo «paralelismo sintático»?

Obrigado.

Resposta:

Na frase em questão, o constituinte «paralelismo sintático» desempenha a função de predicativo do complemento indireto.

O verbo chamar-se com o sentido de «apelidar; qualificar, tachar» pode assumir duas construções, aqui exemplificadas em (1) e (2)1:

(1) «Os amigos chamam o João chefe.»

(2) «Os amigos chamam ao João chefe.»

Em casos como este o verbo chamar integra uma construção predicativa, na qual se combina ora com complemento direto + predicativo do complemento direto, como em (1), ora com complemento indireto + predicativo do complemento indireto, como em (2).

O caso em apreço, transcrito em (3), é equivalente à construção que apresentamos em (2), pelo que «a isso» desempenha a função de complemento indireto e «paralelismo sintático» a de predicativo do complemento indireto2.

(3) «A isso se chama paralelismo sintático.»

Disponha sempre!

 

1. Luft, Dicionário prático de regência verbal. Ed. Ática, 2008, p. 115.

2. Cf. Bechara, Moderna Gramática Portuguesa. Ed. Lucerna, 2019, p. 580.