Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Embora já tenha lido as respostas dadas às questões colocadas sobre as palavras mês, semana, dia, e hora serem ou não nomes coletivos, continuo a ter dúvidas.

Não entendo a razão para se olhar para a definição das mesmas como partes de um todo e não como conjuntos. Além disso, não me parece correto que um conjunto com um número definido de elementos idênticos, como "semana", não seja considerado um nome coletivo.

Agradeço a atenção dada a esta mensagem e todos os esclarecimentos prestados pelo Ciberdúvidas de que tenho beneficiado ao longo de anos.

Resposta:

Com efeito, os nomes apontados são nomes comuns e não nomes coletivos.

Os nomes coletivos são aqueles que «no singular, denotam grupos de entidades do mesmo tipo, perspetivadas conceptualmente como uma entidade coletiva única»1.

Por essa razão, os nomes coletivos têm na sua definição dicionarizada a noção de “conjunto de”, “grupo de”:

(1) pelotão - «grupo de soldados» 2

(2) rebanho - «porção de gado lanígero»

(3) multidão - «grande número de pessoas reunidas nalgum lugar»

Esta noção de conjunto não está presente em nomes como mês, semana, dia ou hora, que são definidos como indicadores de segmentação temporal, como se pode observar abaixo:

(4) mês – «1. Duodécima parte do ano; 2. Período de trinta dias.»

(5) semana - «1. Série de sete dias consecutivos a partir do domingo; 2. Série de sete dias consecutivos.»

(6) dia - « 1. Período de tempo que vai desde a meia-noite até à meia-noite seguinte ou das 00h00 às 24h. = DIA CIVIL; 2. Período de 24 horas compreendido do meio-dia até ao meio-dia seguinte ou do pôr do sol ao pôr do sol seguinte; 3. Unidade de tempo com a duração de 24 horas.»

(7) hora - «1. Período de sessenta minutos.»

Pergunta:

Tem-me acontecido enviar um e-mail e em resposta fico na dúvida se se diz «podem ler no e-mail em baixo...» ou «podem ler no e-mail abaixo».

O que é correto?

Obrigado.

Resposta:

Ambas as formas são possíveis.

O advérbio abaixo pode ser usado com o valor de “em lugar inferior” (Priberam), sendo sinónimo de infra e antónimo de acima ou supra.

Por seu turno, a locução «em baixo» poderá ser usada com o valor de «numa posição ou num nível inferior» (Priberam), tendo como locução de valor contrário «em cima».

As possibilidades significativas de abaixo e de «em baixo» permitem-nos concluir que ambas poderão ser usadas no contexto em que o consulente refere, ou seja, para indicar um documento que se encontra numa posição / nível inferior.

Não obstante, os usos parecem preferir a construção «e-mail abaixo», tal como nos indica uma pesquisa no Corpus do Português, de Mark Davies, onde se registam 194 ocorrências da expressão «e-mail abaixo» face a 0 ocorrências de «e-mail em baixo» (usos da web e dialetos).

Disponha sempre!

Pergunta:

Gostaria de saber como classificam sintaticamente o constituinte «na faixa ocidental da Península Ibérica"» na seguinte frase:

«O galego-português era a língua falada na faixa ocidental da Península Ibérica.»

Resposta:

O constituinte em questão desempenha a função de modificador do adjetivo.

O constituinte «na faixa ocidental da Península Ibérica» incide sobre o adjetivo falada e não sobre o verbo ser, o que é indicado pela anomalia que a omissão do adjetivo traz à frase:

(1) «*O galego-português era a língua na faixa ocidental da Península Ibérica.»

Não estamos, no entanto, perante um constituinte pedido pelo adjetivo, ou seja, não se trata de um complemento do adjetivo. Trata-se de um constituinte com uma relação diferente daquele que identificamos nas frases seguintes, nas quais os constituintes destacados são complementos do adjetivo, pois completam-lhe o sentido:

(2) «Ele estava farto daquela situação

(3) «Ele estava ciente da importância do estudo

Refira-se ainda que a função sintática de modificador do adjetivo não está prevista no programa de português do ensino não universitário, pelo que não será alvo de estudo neste contexto escolar.

Disponha sempre!

Pergunta:

Gostaria de saber se o verbo ceder pode construir regência com a preposição em?

Muito obrigada.

Resposta:

Embora não seja possível identificar construções muito variadas com esta preposição, o verbo ceder pode ser usado com a preposição em.

Neste caso, o verbo ceder terá um valor de «abdicar; fazer cedência» e terá um uso transitivo indireto, como se verifica na frase (1):

(1) «O jovem cedeu neste assunto.»

Na comunicação social, é muito frequente a utilização de construções como a que se apresenta abaixo:

(2) «O governo cedeu nesta matéria.»

Refira-se ainda que Celso Luft considera, no Dicionário Prático de Regência Verbal, a construção «ceder (a alguém) (em algo)».  

Disponha sempre!

Pergunta:

Estava lendo uma postagem do site Origem da Palavra. Daí, fiquei bem curioso e interessado em saber de vez: quais são as diferenças de significados em português entre as palavras patético e ridículo?

A propósito: o serviço de vocês é bem diferente, interessante, rico e único na realidade!

Por favor, muitíssimo obrigado e um grande abraço!

Resposta:

As palavras patético e ridículo têm significados distintos.

A palavra patético tem uma significação relacionada com as emoções, podendo referir «que ou o que tem capacidade de provocar comoção emocional, produzindo um sentimento de piedade, compassiva ou sobranceira, tristeza, terror ou tragédia»1:

(1) «Aquela foi a cena mais patética da peça.»

Também poderá ter o significado de «que ou o que traduz comoção emocional, piedade, pesar, terror ou tragédia»:

(2) «Fez uma cara patética e eu não resisti a ajudá-lo.»

ridículo usa-se para indicar alguém que é «digno de riso» ou «merecedor de escárnio ou zombaria, por se desviar de modo sensível do que se considera socialmente»:

(3) «Trazia um fato ridículo.»

Também pode aplicar-se a alguém «que se presta à exploração do lado ridículo» e que, por isso, desencadeia o riso / a troça (4), ou alguém que «tem pouco valor» ou é «insignificante» (5):

(4) «Tinha um comportamento ridículo que provocava o riso ou a troça.»

(5) «Um homenzinho ridículo disse que discordava do conferencista.»

As palavras poderão aparecer num mesmo contexto como acontece em (6):

(6) «A sua reação patética atingiu o ridículo.»

Disponha sempre! 

 

1. Para a apresentação de significados, foi consultado o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa.