Ana Carina Prokopyshyn - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Ana Carina Prokopyshyn
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Ana Carina Prokopyshyn (Portugal, 1981), licenciada em Línguas e Literaturas Modernas (2006) e mestre em Linguística Geral pela FLUL (2010). Desde 2010 frequenta o doutoramento em História Contemporânea (Lusófona e Eslava). Participou com comunicações e a nível da organização em várias conferências internacionais, e presta serviços em várias instituições como professora de Português para estrangeiros, tradutora e revisora. Atualmente é leitora de Língua e Cultura Russa I e II na mesma universidade e investigadora no Centro de Línguas e Culturas Lusófonas e Europeias. Colabora como consultora de língua Portuguesa no Ciberdúvidas desde 2008.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Como se distingue diegese de discurso e se aborda a questão dos desencontros temporais entre uma e outra? Quais as implicações e as consequências da relação entre esses dois níveis temporais?

Resposta:

Apesar da complexidade que envolve a resposta à pergunta que nos faz o consulente, tentaremos, em poucas linhas, explicar a relação entre os dois conceitos.

diegese, como um conceito de narratologia, diz respeito à dimensão ficcional de uma narrativa, designando o conjunto de acções desenvolvidas ao longo da mesma. O tempo e o espaço da diegese são, por assim dizer, o tempo e o espaço ficcionais. Por sua vez, o narrador, conforme a sua posição na diegese, pode ser homodiegético (se for uma personagem da história que narra), heterodiegético (se narrar uma história na qual não participa) e autodiegético (se narra a sua própria história). Quanto ao discurso, este pode ser construído de várias formas na representação da diegese, por exemplo: pela narração (na 1.ª pessoa do singular ou do plural) e descrição, através de um monólogo, e, ainda, através de diálogos (no discurso directo ou indirecto, etc.).

O tempo da diegese, como dissemos, consiste no tempo durante o qual a acção se desenrola, em que podem, ou não, surgir referências temporais como a passagem de horas, dias, meses, anos, etc. Já o tempo do discurso consiste no modo como o narrador relata os acontecimentos, podendo coincidir, ou não, com o tempo da diegese, por exemplo; falamos de sincronia quando coincidem (o caso de diálogos ou quando o narrador segue os eventos de uma forma linear, à medida que estes vão acontecendo), mas também podem ser anacrónicos se, no presente, o narrador relatar acontecimentos já passados (fenómeno designado por analepse), ou, por sua vez, o narrador revelar/antecipar acontecimentos futuros (ao que se chama prolepse).

O tempo da diegese pode ainda ser maior ou menor do que o do discurso (anisocronia ...

Pergunta:

Gostaria de saber se o verbo achar na primeira pessoa do presente do singular é dúvida ou afirmação. Ex.: «Acho que amo você.»

Resposta:

O verbo achar é um verbo associado a uma modalidade1 epistémica, ou seja, na literatura sobre semântica verbal, o verbo achar aparece tradicionalmente associado a um tipo de verbos cujo significado implica uma noção relacionada com conhecimento ou crença.

Rui Marques (1995: 81) define ainda «subgrupos de verbos, associados a um valor positivo ou negativo de conhecimento ou crença». Assim, o autor divide os verbos epistémicos em quatro grupos:

  • verbos que exprimem conhecimento (como constatar, compreender, descobrir, lamentar, saber etc.);
  • verbos que exprimem desconhecimento (esquecer, ignorar);
  • verbos que exprimem crença (achar, acreditar, admitir, pensar, etc.);
  • verbos que exprimem descrença (desconfiar e duvidar).

 

Concluindo, o verbo achar exprime crença perante uma proposição. Na frase «acho que amo você», o falante diz-nos que acredita na proposição «amar você», contudo, não se compromete com a verdade efectiva do enunciado, ou seja, apesar de ele acreditar, não significa que tem a certeza de que aquilo em que acredita é inteiramente verdade, possivel...

Pergunta:

Gostaria que verificassem, por favor, se esta frase está incorreta:

«Parte do lucro é destinado à compra.»

Ou se devemos falar:

«Parte do lucro é destinada à compra.»

Grata pela atenção.

Resposta:

Não nos demoraremos demasiado nesta resposta, já que existem em linha respostas bastante completas sobre o caso que se nos depara. Abaixo indicamos duas respostas que poderão ser consultadas para uma análise mais detalhada da questão em apreço.

Assim, muito sucintamente, ambas as frases são consideradas correctas, apesar de a segunda ser preferível do ponto de vista sintáctico. Na primeira frase ocorre a chamada concordância siléptica; na segunda, a concordância é gramatical.

Sempre ao dispor.

Pergunta:

Sou brasileiro e estudo chinês há alguns anos, por isso estou tendo a oportunidade de ensinar português para falantes nativos de chinês, embora já tivesse observado que os chineses não "captam" (não conseguem ouvir) a diferença entre os fonemas das letras "B" e "P" e entre os da letra "D" e "T" do português. Recentemente nas aulas que ministro de português enfrentei essa situação, ao ensinar os fonemas citados, constatei em meus alunos essa dificuldade. Gostaria de sugestões para que de forma simples pudesse ajudá-los.

Grato.

Resposta:

É verdade que certos fonemas do português são indistintos para os falantes de origem chinesa. Aos que o consulente refere, entre os quais há apenas uma diferença de vozeamento (surdo/sonoro), acrescentamos ainda outros dois: /l/ e /r/, que também são problemáticos para alunos chineses.

Ora, há pouca ajuda a dar nesta situação específica, já que os falantes não distinguem os sons em questão. Contudo, os estudantes chineses são famosos pela sua memória fotográfica, logo, apesar de na oralidade não conseguirem, na maior parte dos casos, distinguir pares mínimos como pata/bata, puxa/bucha, dia/tia, dente/tente, ou mar/mal, ao aprenderem a grafia destas palavras e o seu significado, raramente dão erros e não têm qualquer dificuldade na escrita e leitura das mesmas. Aconselhamos, pois, a que se pratiquem mais exercícios escritos, de modo a que os alunos memorizem as palavras.

Na oralidade, acreditamos que este fenómeno não interfere com a inteligibilidade, pois, se pensarmos bem, não há assim tantos pares mínimos que não se desambigúem simplesmente no contexto (frase/situação). Lembremos, por exemplo, que em regiões no Norte de Portugal também não se faz distinção entre /b/ e /v/, e não é por isso que não nos entendemos.

Esperamos ter ajudado e apresentamos os nossos parabéns pela promoção da língua portuguesa no mundo, através do ensino de PLE.

Pergunta:

Obrigado mais uma vez pela vossa resposta, e mais uma vez peço desculpa por insistir:

A situação é esta: ouço com frequência, numa das nossas estações de rádio públicas, a seguinte frase:

«Obrigado por se ligar connosco!» O locutor agradece pelo facto de eu, ou outra pessoa, ter ligado telefonicamente para aquela estação. Pergunto: O locutor não deveria dizer: «Obrigado por se ligar (ou se ter ligado) a nós»?

Muitíssimo obrigado.

Resposta:

Em primeiro lugar, não tem nada de que se desculpar, nós é que agradecemos as perguntas que nos enviam e a confiança que depositam em nós. Lembro, contudo, que a resposta a esta pergunta já se encontra em linha: «Ligar a» e ligar com».

Apesar disto, reflictamos, em breves palavras, sobre a questão em análise. Como dissemos na resposta anterior, «Obrigado por se ligar connosco!» parece ser interpretável, ainda que forçosamente, apenas como «Obrigado por se ligar (à Internet/ao mercado de trabalho) connosco (= com a nossa empresa, com os nossos serviços, etc.)!».

A interpretação de ligar como sinónimo de telefonar no contexto que nos apresenta o consulente é impossível, e a qualquer falante bastará a sensibilidade para rejeitar esta construção. Ligar e telefonar, quando sinónimos, têm a mesma distribuição sintáctica, então, têm como construções possíveis: «Obrigado por nos ligar/por nos telefonar», da mesma forma que construções como «Obrigado por se telefonar connosco» são consideradas incorrectas.