Ana Carina Prokopyshyn - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Ana Carina Prokopyshyn
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Ana Carina Prokopyshyn (Portugal, 1981), licenciada em Línguas e Literaturas Modernas (2006) e mestre em Linguística Geral pela FLUL (2010). Desde 2010 frequenta o doutoramento em História Contemporânea (Lusófona e Eslava). Participou com comunicações e a nível da organização em várias conferências internacionais, e presta serviços em várias instituições como professora de Português para estrangeiros, tradutora e revisora. Atualmente é leitora de Língua e Cultura Russa I e II na mesma universidade e investigadora no Centro de Línguas e Culturas Lusófonas e Europeias. Colabora como consultora de língua Portuguesa no Ciberdúvidas desde 2008.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Pesquisei na Internet e fiquei sabendo que existem quatro lugares no mundo com o nome Olivença, uma cidade na fronteira de Portugal e Espanha, e as outras três localizadas no Brasil. Gostaria que me informassem da etimologia e do significado do nome Olivença.

Resposta:

Pesquisámos vários dicionários de português (europeu e do Brasil), e não encontrámos nenhuma referência às cidades brasileiras com o nome Olivença, apenas há referência a Moçambique e a Angola. Vejamos abaixo os resultados da pesquisa:

O Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, regista:  «Olivença 1, top. Em Espanha (port. desde a Idade Média até princípios do séc. XIX) a 20 km de Elvas; em Moçambique (Niassa) e Angola, Olivença-a-Nova (Húlia). É um der., não registado, de oliva, «azeitona». Sobre o suf. cp. Fervença. Séc. XIII, em St. Maria, n.º 344: « e fo[ro]n-s’uus a Elvas, os outros de Olivença, vs. 44.

Olivença 2, apel. (Tel.; D. N. de 23-VIII-1978, p. 20). Ant. alc. De Olivença 1. Em 1480: «Fernam d’Olivença», em Receitas, p. 261.»

Olivença vem também registado no dicionário de Antenor Nascentes, Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, com a seguinte entrada: «Olivença: Cidade de Espanha. A raiz é evidentemente o lat. Oliv-, de oliva, azeitona, com um sufixo -ença, encontrado também em Fervença (Xavier Fernandes, TG, II, 346).»

O Dicionário Houaiss não contém uma entrada para Olivença, mas para um adjectivo relacionado: «Olivençano 1 Datação: XVIII adjetivo e substantivo masculino relativo a Olivença (Espanha), ou o que é seu natural ou habitante; oliventino Etimologia: top. Olivença + -ano.»

Encontramos ainda um outro adjectivo para o topónimo/apelido Olivença no Grande Dicionário da Língua Portuguesa de A. de Morais Silva...

Pergunta:

Muito agradecia que me esclarecessem sobre a maneira correcta de escrever em português velociraptor, um dos dinossauros do Cretáceo. Não deveria ser "velocirraptor", dado o erre estar entre duas vogais e a sua pronúncia ser, invariavelmente, "velocirraptor"?

Renovo os meus agradecimentos e aproveito o ensejo para vos cumprimentar e vivamente vos elogiar, pelo excelente e já imprescindível serviço que prestam à língua portuguesa!

Resposta:

A aquipa do Ciberdúvidas agradece, antes de mais, o seu simpático elogio.

Quanto à sua questão, a espécie de dinossauro aparece registada nas suas duas variantes: velociraptor e velocirraptor, sendo a primeira mais usada. Note-se que acontece o mesmo com a palavra dinossauro (variante mais usada que dinossáurio).

Consideramos mais correcta a variante velociraptor, já que advém do nome científico Velociraptor mongoliensis, que pertence à classe dos terópodes, «subordem de répteis diapsidas, arcossauros, que compreende dinossauros bípedes e carnívoros ou quadrúpedes e herbívoros, dotados de cintura pélvica semelhante à dos demais répteis, com o púbis direcionado para a frente. Obs.: cf. ornitisquianos, sauropodomorfos, terópodes»1.

Desta forma, também a pronúncia deve ser a de "velociraptor", com [ɾ], como em caro, e não a de "velocirraptor", com [R], como em carro. Compreende-se, contudo, que a maioria das pessoas pronuncie "velocirraptor", devido à composição da palavra, que integra o termo raptor, tal como a espécie utahraptor: «Raptor - Rubrica: ornitologia: espécime dos raptores (...) m. q. ave de rapina (...) antiga ordem de aves, que compreendia os falconiformes e estrigiformes.»2

1 Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa

2 Idem

Pergunta:

Acredito que posso dizer indiferentemente as seguintes frases:

«Às segundas tenho aula de Português.»

«À segunda tenho aula de Português.»

(Expressão de hábito)

«Na segunda (dia 13 de Outubro) tenho que ir ao médico.»

«Segunda (dia 13 de Outubro) tenho que ir ao médico.»

(Dia determinado)

Porque usamos «na segunda»/«segunda»?

Aí vão os meus sinceros agradecimentos!

Resposta:

A informação temporal varia, podendo ser explicitada através de advérbios de tempo, de sintagmas preposicionais de sintagmas nominais, ou mesmo através de orações temporais.

(i) «Ontem tive aula de Português.» (advérbio de tempo)
(ii) «Na segunda tenho aulas de Português.» (sintagma preposicional)
(iii) «À segunda/Às segundas tenho aula de Português.» (sintagma preposicional)
(iV) «Segunda/Esta segunda tenho aula de Português.» (sintagma nominal)
(v) «Quando cheguei à escola, tive aula de Português.» (oração temporal)

Relativamente à preposição em, em (ii), situa/localiza uma eventualidade (ter aulas de Português) num intervalo de tempo [um dia: segunda(-feira)], enquanto a preposição a, em (iii), indica uma reiteração/frequência, e estabelece uma relação entre uma eventualidade (ter aulas de Português) e repetidos intervalos de tempo (as segundas-feiras de todas as semanas).

Quanto a (ii) e (iv), não há dúvida de que têm a mesma interpretação: «Segunda/Na segunda tenho aulas de Português.» E é até discutível que «Segunda», com o emprego que tem em (iv), se trate de um sintagma nominal.  Mateus et al. (2003 apud Móia, 1999), afirma que os sintagmas nominais de localização temporal são sempre sintagmas preposicionais, mas a preposição é omitida. Desta forma, podemos dizer:

(a) «Na segunda tenho aulas.»
(b) «Segunda tenho aulas.»

Ambas as formas estão correctas e são equivalentes quanto ao seu significado.

Referências:

Mateus, M. et al, 2003, Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa: Caminho

Pergunta:

Tenho tido dificuldades em encontrar a origem da palavra museografia, se é apenas uma derivação da origem da palavra museu... E como se transfere para os outros idiomas, como o inglês e o italiano?

Obrigado.

Resposta:

No Dicionário Houaiss, museografia, apesar de não aparecer datada, aparece associada a museógrafo, datado de 1873: «Museógrafo – adj. relativo a museografia ETIM museu + -o- + grafia; f. hist. 1873.»

A palavra museu, com o sentido que tem hoje, data de 1813, como é referido no Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado: «do gr. museîon; "Templo das Musas" [...] era a designação da parte do palácio de Alexandria onde Ptolomeu I havia reunido os mais célebres sábios e filósofos para lhes permitir entregar-se à cultura das ciências e das letras, e na qual estava colocada a célebre biblioteca, mais tarde incendiada pelos árabes; houve um intermédio do lat. museum; «Lugar consagrado às musas»; aos estudos; museu; biblioteca, academia; no séc. XVI, com a acepção de «templo das Musas»; o sentido moderno em 1813.»

O dicionário de Geraldo da Cunha, apesar de não datar museografia, confirma a datação de museu em Machado, e regista museologia, apontando para o séc. XX: «museu – s. m. `orig. templos das musas, XVI; ext. lugar destinado à reunião e exposição de obras de arte, de peças de coleção científicas, ou de objetos antigos, etc.´ 1813. Do lat. museum - i, deriv. do gr. mouseîon (de moûsa; musa); museologia, séc. XX [...].»

Ainda no mesmo dicionário, encontra-se a seguinte entrada: «graf(o)- elem. comp. posposto, deriv. do gr. graph(o) – de gráphein "escrever, descrever, desenhar", que se documenta em compostos já formados no próprio grego, como geografia (gr. geographia), geográfico (gr. geographikos), geógrafo (gr. geographo) e em vários outros vocs. i...

Pergunta:

Qual é a forma correta: «visão indígeno-comunitária», ou «visão indígena-comunitária»? Por quê?

Muito obrigado!

Resposta:

A forma correcta é indígeno-comunitária.

O porquê desta forma relaciona-se com a composição, que é o processo de formação de palavras que consiste na concatenação de dois radicais ou palavras.

A palavra indígeno-comunitária é um composto morfológico que tem uma estrutura de coordenação, em que as duas formas coordenadas são dois adjectivos: indígena e comunitária.

Os compostos morfológicos deste tipo têm uma vogal de ligação -o-, que é um dos elementos mais característicos destas construções. O contraste entre as formas que exibem o mesmo radical à esquerda e à direita da vogal de ligação mostram que esta vogal é um constituinte autónomo e que ocupa uma posição própria na estrutura dos compostos:

(a) indígeno-comunitária
(b) comunitário-indígena

Tendo por função delimitar os radicais, a vogal temática é preservada dos efeitos do vocalismo átono; note-se também que os radicais concatenados mantêm o acento. Além disso, a vogal de ligação é um vestígio de um marcador de caso na estrutura dos compostos do latim e do grego antigo; desta forma, em português há duas vogais de ligação diferentes: -o- e -i-. A vogal -i- ocorre sempre que o radical da direita é um radical neoclássico de origem latina (ex.: ministr-i-cidade, agr-i-cultor, etc.). Quando o radical da direita começa por vogal, qualquer que seja a sua origem, a vogal temática não se emprega (ex.: ped-agogia, nevr-algia, etc.). Nos restantes casos, a vogal de ligação é o -o- (ex.: analític-o-sistemático, lus-o-brasileiro, in...