Reforma para salvar Grego e Latim do ensino secundário em Portugal
Em Lisboa, apenas a escola secundária Luís de Camões ainda ensina Latim e Grego. Em seis distritos do país já não existem.
Delfim Leitão, docente da Universidade de Coimbra, não tem dúvidas: é uma corrida contra o tempo.
Mais dois anos com a actual estrutura curricular do ensino secundário e acabavam-se as línguas clássicas nas escolas. Na sequência da reforma de 2004, em Lisboa já só há um estabelecimento de ensino onde as podemos encontrar no 10.º ano — a Escola Secundária Luís de Camões. E em seis distritos do país já desapareceram do mapa. Há alunos interessados que são obrigados a desistir por falta de oferta.
O curso de Línguas e Literaturas vai desaparecer, enquanto entidade autónoma, da estrutura curricular do ensino secundário. Só não se sabe ainda quando tal acontecerá. A medida foi preconizada em Fevereiro pelo Grupo de Avaliação da Implementação da Reforma do Ensino Secundário, designado pelo Ministério da Educação, e deverá ser acatada pela ministra Maria de Lurdes Rodrigues, admitiu ao "Público" o seu assessor de imprensa Rui Nunes.
Também o ministro dos Assuntos Parlamentares, Augusto Santos Silva, deu ontem a entender que será este o caminho. Durante o debate, na Assembleia da República, de uma petição com mais de oito mil assinaturas em prol das Línguas Clássicas, Santos Silva fez uma interpelação. Recordou que no relatório daquele grupo se põe em causa a "viabilidade" do curso de Línguas e Literaturas enquanto entidade autónoma, dada a «procura muito baixa por parte dos alunos, impossibilitando a constituição de turmas nas escolas» (exige-se um número mínimo de 24 alunos). Propõe-se antes a sua extinção e integração das suas disciplinas no curso de Ciências Sociais e Humanas.
Esta é também a solução preconizada pelos subscritores da petição promovida, entre outros, pela Associação Portuguesa de Estudos Clássicos. Razões entre outras: o aumento do número de candidatos permite oferecer cursos que actualmente não abrem por exiguidade dos alunos e possibilita o contacto com as Línguas Clássicas a alunos vocacionados para outros saberes.
Na Alemanha, o latim é a terceira língua mais estudada — quase 800 mil estudantes no ensino pré-universitário, ou seja, 1000 em cada 10 mil estudantes. Em Portugal, a proporção baixará para um, adiantam os promotores da petição.
É grave? «Cerca de 90 por cento do nosso vocabulário vem do latim e do grego», sublinha Leitão. Filipe Carvalho, professor de Latim e Português, diz que não se trata só de vocábulos. «O latim é a base estrutural da língua portuguesa» ou seja, ninguém saberá muito de português se não souber latim. São línguas mortas com aplicações práticas bem vivas. Por exemplo, em direito, medicina, farmácia, continua. Filipe Carvalho acrescenta: o latim reflecte toda «uma vivência e uma história». «É uma ligação à nossa essência.» É uma questão de identidade, frisa Delfim Leitão. E a portuguesa, ocidental, tem as suas raízes na matriz greco-romana.
in "Público" de 5 de Maio de 2007