Foi notícia desta semana: este ano há apenas 313 alunos inscritos para fazer exame nacional de Latim. O número de alunos a aprender latim diminuiu 80 por cento nos dois últimos anos.
O falante comum sabe que o latim é língua morta, mas que anda por aí, por exemplo, nas expressões fixas, como a priori, mutatis mutandis, lana caprina. Não dará conta de que a designação de muitas marcas corresponde a palavras latinas intactas, como Lux, Nivea, Mars, Flora, Linea, Vitalis, Neutralia, Antiqua, etc., e associa o latim a coisa de padres — apesar de a maioria dos padres hoje já não saber latim (o alerta veio do próprio cardeal patriarca de Lisboa).
A agonia do ensino do latim segue a ordem natural das coisas? Não.
O português é uma língua românica e saber latim auxilia no estudo do vocabulário, na sua forma e significado. Um exemplo: grex, gregis significa "rebanho"; ad- é o prefixo que significa "aproximação", de modo que ad+greg-are, (depois aggregare, por assimilação do -d-) significa "juntar todo o rebanho". Saber isto ilumina o conhecimento das palavras gregário, agregar, agregação, gregarismo. Compreender a ortografia é outra vantagem: é no latim que está a explicação de porque é que umas palavras terminam em -ção e outras em -são, por exemplo.
Agora veja-se o seguinte: o que levará países de línguas não românicas, como a Finlândia, Alemanha ou Reino Unido, a promover o ensino do latim? É que o latim é uma língua de desinências, sendo que todas as palavras têm em si uma marca que assinala a sua função na frase e para ler uma pequena sequência em latim é preciso activar várias informações em simultâneo, em várias direcções, o que desenvolve o raciocínio, a capacidade de concentração e a memória. Simultaneamente, o aluno adquire um sistema gramatical passível de ser transferido para a aprendizagem de qualquer língua — materna ou segunda.
Do latim emerge a própria arte da gramática.
Artigo publicado no semanário Sol de 21 de Junho de 2008, na coluna Ver como Se Diz.