«O que faz de um texto um texto?» Este também podia ser o título do artigo de Ana Martins no semanário Sol.
As palavras textura e texto estão relacionadas? De uma maneira geral, as pessoas associam textura a tecido e não a texto, mas a verdade é que um texto é também um tecido. Mais uma vez a etimologia ilumina o valor semântico mais íntimo das palavras: no latim, textum é o particípio passado do verbo texo, is, isto é, «tecer, fazer tecido». Não menos elucidativas são as metáforas fundadas nessa ascendência etimológica: há o «fio condutor» do texto, a «trama narrativa», a «urdidura da história» — isto para não «tecer mais argumentos»…
Estas são algumas pistas de algo que se intui, a saber, que o texto é uma união íntima das partes de um todo com consistência. Então, a textura é a propriedade de «ser texto», com um desenvolvimento progressivo e coerente de informação rumo a um propósito comunicativo. Deste modo, a interpretação de um elemento do discurso depende de outro, pressupõe outro, sem o qual o texto não pode ser devidamente compreendido.
As relações de dependência ocorrem na ligação de elementos dentro da frase e nas conexões entre frases, mas também entre agregados de frase e agregados de agregados de frase, e por aí fora, até ao remate, que vai sempre dar ao título.
Pois a prova de que aquilo que se intui tem de ser aprendido explicitamente está nas malhas soltas que aparecem nos textos das notícias.
A desarticulação pode começar logo na frase do título: «Associação portuguesa disponibiliza teste à qualidade do sono on-line» (Sol, 20/03/09). On-line devia ligar-se a teste e não a sono.
Encontram-se também desconexões entre frases: «O primeiro cartoon, publicado em 1992, teve origem numas declarações proferidas pelo Papa João Paulo II, igualmente durante um périplo por África, no qual condenou o seu uso.» (Público, 20/03/09). O uso do cartoon? Não, do preservativo. Só que a frase está no terceiro parágrafo e preservativo é uma palavra que aparece no primeiro parágrafo, 120 palavras antes… Ora, não há pronome ou determinante com tal poder de enlace.
Finalmente, temos as falhas que afectam a estrutura global do texto. Numa notícia sobre a morte de Fernando Correia Martins (Lusa, 29/03/09) faz-se a retrospectiva da carreira do compositor, citam-se declarações de pesar e acaba-se com este ponto sem nó: «O maestro era casado. O seu corpo será autopsiado e só depois haverá indicações sobre o funeral.» Será que o estado civil do indivíduo é indicativo de um dado tipo de morte? Será que para se ser autopsiado é preciso ter sido casado?... Não. O «ser casado» é só uma ponta solta do texto. O melhor é não puxarmos por ela…
artigo publicado no semanário Sol, na rubrica Ver como se diz, de 18 de Abril de 2009