Sobre as falhas estruturais na imprensa escrita — um artigo de Ana Martins no Sol.
Vem nos filmes americanos: uma redacção de um jornal corre contra o tempo e está acordada fora de horas. Tal justifica gralhas, contradições, omissões e erros de língua imprevisíveis. Não explica, porém, erros recorrentes, sistemáticos e, enfim, estruturais.
No passado domingo, procurei dar conta de como decorria o acto eleitoral e fiquei a saber do homicídio em Fervença — nos termos que se seguem:
«(…) quis alertar para a possibilidade de haver outra versão no caso do homicídio da assembleia de voto de Fervença, Mondim de Basto» (Lusa, 11/10/09) — facto noticiado: todos os membros da assembleia de voto foram alvo de "homicídio".
«Sócrates condena "em absoluto" morte a tiro em Vila Real» (idem) — inferência: a condenação da morte por envenenamento ou afogamento, por exemplo, não é assegurada.
«O homicida está a monte, mas a GNR iniciou uma operação de busca para o deter» (idem) — pressuposição: entre desconhecer-se o paradeiro de um homicida e as acções de busca da GNR não há nenhuma relação de causalidade.
«As eleições para a freguesia de Ermelo, Mondim de Basto, serão repetidas no próximo domingo, após o assassinato do marido da candidata do PSD à junta de freguesia» (idem) — título possível: Crónica de Uma Morte Anunciada.
«O corpo do homem hoje assassinado em Ermelo, Mondim de Basto, continua no interior da assembleia de voto, onde foi abatido pelo candidato do PS» (idem) — reconstrução da frase sem o predicado principal: «o corpo do homem assassinado foi abatido pelo candidato do PS».
Podem dizer-me: é de mau gosto aproveitar a notícia de um evento tão grave para discorrer sobre meros erros de português. Eu digo: o assassínio de um cidadão merecia uma cobertura condigna.
Artigo publicado no semanário Sol, de 16 de Outubro, na rubrica Ver como Se Diz.