O Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT) publicou, em www.tu-alinhas.pt, um "dicionário de calão", de que toda a gente ouviu falar no momento em que passou a estar offline. Aquilo que motivou a retirada de cena desta lista de termos foi, pelo menos, a definição de betinho e careta: «aquele que não consome droga, conservador, desprezível e desinteressante», tendo sido pedida a audição de João Goulão (presidente do IDT) na comissão parlamentar de Saúde.
Não fui a tempo de consultar o "dicionário", mas posso, ainda assim, assinalar alguns problemas que se levantam ao projecto em si mesmo, independentemente da concretização final que ele venha a ter.
Em primeiro lugar, aquilo que está em questão não é, seguramente, um dicionário, mas um vocabulário, ou seja, um inventário de termos usados num determinado tempo e circunstância. Não será também um dicionário de calão, mas de gíria: o calão está associado ao uso de palavrões, ao passo que a gíria serve a intenção de um grupo social se distinguir face à restante comunidade de falantes.
Depois, importa saber que informantes devem ser seleccionados para validar a correcção das definições: toxicodependentes e não toxicodependentes. Dentro deste grupo, que pessoas escolher? Em face disto, como distinguir quais os termos que fazem parte do mundo da droga e quais é que pertencem tão-só ao monossilabismo juvenil? À falta de fronteira, será necessário recorrer constantemente a marcadores de domínio, como «no contexto x», «falando de y», «na perspectiva de tal e tal».
Finalmente, há a dizer que um dicionário (ou vocabulário ou glossário) serve objectivos reconhecidos — no ensino, na tradução, na interpretação textual, etc. Quando questionado sobre a utilidade deste "dicionário", João Goulão declarou que a "obra" tem «uma certa utilidade», pois «um jovem que desconhece um termo sente-se menorizado» (Lusa, 12/05/08). Atente-se no pressuposto: um jovem normal para se sentir bem consigo mesmo tem de estar ao nível linguístico de um fumador de charros.
Artigo publicado no semanário Sol de 13 de Junho de 2008, na coluna Ver como Se Diz.