Artigo publicado no semanário "Sol" de 15 de Agosto de 2008, na coluna "Ver como se diz".
A "Lusa" publicou uma reportagem (30/07/08) sobre a grafia estropiada nos SMS e chats.
Foram consultados professores do ensino básico e secundário, que se revelaram apreensivos quanto à possibilidade de a alteração arbitrária da grafia (a «nova linguagem dos jovens») pôr em risco a sobrevivência do português. Lamentam que os mais novos se estejam a esquecer da ortografia; que usem invariavelmente x em vez de ch, s, ss ou z; k em vez do c ou qu; que escrevam kk em vez de qualquer; kd em vez de quando; tamx em vez de estamos.
Foi ouvido o linguista Malaca Casteleiro, que fez saber que a grafia se faz por memorização intuitiva e que, assim sendo, o uso recorrente de formas gráficas deturpadas confunde os jovens na hora de escrever correctamente.
Ora, esta peça jornalística assenta em vários equívocos.
Primeiro: a ortografia não se identifica com a língua. A escrita sucedeu à fala e a linguística nasceu reivindicando a essência oral da língua. Mas se isto interessar pouco ao leitor, pense então que o inglês, o alemão ou o italiano não estão em colapso, apesar de os jovens falantes daquelas línguas usarem também um código gráfico libertino.
Segundo: o que se transmite é apenas uma opinião sobre práticas ortográficas. Não há, para o português, nenhum estudo quantitativo que permita concluir acerca dos efeitos deste desregramento gráfico no declínio do património linguístico, como, por exemplo, o estudo dos canadianos Sali Tagliamonte e Derek Denis, publicado na revista American Speech (Maio, 2008), com um corpus de cerca de um milhão de palavras usadas em mensagens instantâneas. Estes investigadores concluíram, aliás, que estas mensagens apresentam o mesmo grau de heterogeneidade característico das variedades linguísticas tradicionalmente reconhecidas (registos coloquiais, gírias, dialectos, etc.).
Por último: o fim dos tempos do português não está no facto de os jovens inventarem um tipo de escrita para comunicarem entre si por telemóvel, mas sim na condescendência queixosa dos professores e da escola face à presença deste tipo de escrita em fichas e provas de avaliação.
in semanário "Sol" de 15 de Agosto de 2008