E quando o título de uma notícia ostenta erros ou é absurdamente enigmático? É este o tema do artigo de Ana Martins no semanário Sol.
Há tempos, a subdirectora do Jornal de Negócios confessava, no Jornal 2, a dificuldade da construção de um dado título: procurava-se a fórmula ideal, rigorosa e neutral, que não perturbasse o hipersensível mercado bolsista. Quem lia O Independente lembrar-se-á da originalidade e novidade dos títulos, assentes em metáforas, jogos de palavras e polifonias. Mas o normal é esperar apenas que os títulos não tenham erros, que respeitem sobriamente as regras de estilo, que não se emaranhem em nós lógicos, que não digam o absurdo. Não é pedir muito, pensar-se-á. Ledo engano.
«Lucros da brasileira Embraer caiem 44 por cento no último trimestre de 2008» (Lusa, 28/03/09). Merecíamos caem.
«S. Tomé e Princípe ancora-se ao euro» (Lusa, 27/07/09). S. Tomé e Príncipe ter-se-á «encostado ao euro» ou «escorado no eur»", mas nunca «ancorado ao euro»: alguém diz «o barco ancorou à barra» ?
«Identificados restos de piloto abatido no Iraque em 1991» (Público, 03/08/09). É sabido que o título noticioso é um enunciado sem determinantes e parco em adjectivos, mas tirar mortais à expressão fixa «restos mortais» e, imediatamente, retirar um ou o a piloto dá o desastroso resultado de «restos de piloto», como se piloto alguma vez referisse uma entidade massiva, como tinta, óleo ou comida.
«Família de Michael Jackson nega que Mark Lester seja o pai da filha do cantor» (Lusa, 10/08/09). Estão por esclarecer as circunstâncias bioquímicas em que Lester podia ser pai da filha de outro.
«Balanço de vítimas no México já matou 124 pessoas» (TSF, 14/07/09). Solução: deixar de fazer balanços.
«Resultados do 9.º ano repetem os do secundário, mas ao contrário« (Público, 14/07/09): ou seja, os resultados do 9.º estão no reverso dos do secundário, sendo que a vice-versa também é verdadeira. Mas, vá lá, o leitor capta o essencial — há alguma coisa que continua a não estar bem…
A palavra título vem de titulus, que em latim queria dizer «etiqueta presa ao bastão à volta do qual se enrola o papiro». Sabia-se assim o que estava escrito num manuscrito sem ter de o desenrolar. O sentido etimológico vai lá longe.
Artigo publicado no semanário Sol, de 15 de Agosto, na rubrica Ver como Se Diz.