Há uma arte de escrita de títulos nos jornais? Há.
O título designa, identifica, descreve e aponta para o conteúdo global do texto de que é porta-estandarte. O título tem de ter autonomia, tem de ser inteligível por si só e, ao mesmo tempo, instigar à leitura, criar a necessidade de ir buscar informação suplementar ao corpo da notícia.
A arte do título passa em grande medida pela arte de seleccionar palavras de modo certeiro. Para que isso possa acontecer, o jornalista não precisa de engolir o dicionário. Precisa, sim, de ter consciência de que o significado de uma palavra participa, na frase e no texto, de uma rede de combinatórias de significados, com prevalência das relações de parte-todo, geral-particular, equivalência, oposição, etc.
E deve também estar alerta, porque ao optar por uma simples palavra em detrimento de outra pode deixar escapar a sua visão pessoal da realidade. Veja-se este exemplo: «Menores beneficiam do descuido dos pais para verem filmes "impróprios"» (Destak, 30-05-07). Só podemos compreender este beneficiam se atendermos a que o jornalista adopta e (apoia) a perspectiva dos menores.
Outra falha muito comum é a reprodução de palavras tal como elas foram usadas pelas fontes de informação, sem reparar sequer na estranheza da combinatória em que elas aparecem: «Erros de ortografia servem para "avaliar diferentes competências"» (Público, 29-05-07). Não leva muito tempo a pôr a nu o absurdo desta frase, assente nos «axiomas»: os erros ortográficos têm uma utilidade; os erros ortográficos são índices de competências.
Mas a regra mais básica é evitar escolher vocábulos de que não se conhece nem a forma nem o significado: «Amadora: Cemitério vai crescer 97% para aumentar exumações» (Diário Digital, 31-05-07). Quereria o jornalista dizer inumações?
A indicação 97% também tem que se lhe diga, mas fica para a próxima.
*in semanário Sol de 23 de Junho de 2007