A qualidade das leis, vista agora à luz da correcção linguística, motivou o desabafo do procurador-geral da República português, Pinto Monteiro, projectado para título do texto do jornalista Carlos Rodrigues Lima, no Diário de Notícias, de 11 de Março de 2009.
Cavaco Silva já tinha alertado para a fraca qualidade das leis. Ontem, foi a vez de o procurador-geral da República elencar uma série de erros na redacção da proposta de lei do Governo para o crime de violência do doméstica. «A denúncia de natureza criminal, é feita nos termos gerais, sempre que possível, através de formulários próprios (...).» O arranque do artigo 30.º da proposta foi um dos exemplos dados por Pinto Monteiro: «Tirem lá a vírgula entre o sujeito e o predicado», desabafou ao fim de vários minutos a identificar problemas na lei.
O PGR foi ouvido durante a tarde de ontem [10 de Março de 2009] na Comissão de Direitos, Liberdade e Garantias da Assembleia da República. E começou logo por dizer que a «intenção» em legislar sobre a violência doméstica «é boa», mas a proposta de lei precisa de uma «depuração». «Há tantos artigos sobre intenções, que esta lei ordinária parece uma Constituição para a violência doméstica», declarou Pinto Monteiro.
Mas há mais: o artigo 3.º da lei diz, como declaração geral, que o diploma «estabelece um conjunto de medidas que têm por fim». E chega-se à alínea e): «e): Tutelar os direitos dos trabalhadores que, na relação laboral, sejam vítimas de violência doméstica». «Não percebo o que é tutelar uma relação laboral de violência doméstica», afirmou Pinto Monteiro. Atentos, os deputados tiravam notas.
Em 2007, o parlamento aprovou uma Lei de Política Criminal para o biénio 2007-2009. Neste diploma são estabelecidos quais os crimes que devem ser investigados com prioridade. Apesar de ser uma lei recente, tal não impediu o Governo de fazer constar na lei sobre a violência doméstica que este tipo de crimes tinha prioridade. «Entra em contradição com o resto», disse. Pinto Monteiro sublinhou que esta lei foi «um bocado feita sob a pressão dos tempos» e sem «a necessária maturação», o que explica «alguns artigos sem nenhuma razão de ser».
O PGR apontou também falhas na redacção da lei, uso indevido de siglas (que geram confusão) e até de neologismos, como «empoderamento», uma importação do inglês "empowerment". Pinto Monteiro criticou a má técnica legislativa. Opiniões não contrariadas pelos deputados que, entre dentes, fizeram questão de dizer que se trata de uma «proposta de lei». Ora, da autoria do Governo, sendo que a redacção final será mais cuidada.
Quanto à proposta que estabelece o regime aplicável ao tratamento de dados referentes ao sistema informático dos tribunais, o PGR salientou que o essencial é «garantir a independência dos magistrados e a segurança do sistema». Estando contra a participação de elementos ligados à administração pública numa comissão que fará a gestão do sistema informático dos tribunais. Após a audição de Pinto Monteiro, a 1.ª Comissão ouviu uma delegação do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, encabeçada por Jorge Costa.
in Diário de Notícias, 11 de Março de 2009