«Tinha pago ou pagado/morto ou matado»? O nosso leitor Carlos Dinis quer saber porque é que, havendo regras que ditam que com ser e estar devemos ter o particípio irregular (pago) e com ter e haver, o particípio regular (pagado), usa-se mais o pago do que o pagado? O nosso leitor sabe que «tinha pagado» é a forma correcta, mas admite que ela… «soa um pouco mal».
Há muitos mais casos destes: apesar de soar mal, deve dizer-se «mais bem feito» e não «melhor feito»; «a maioria dos alunos foi…», em vez de «…foram»; precariedade, em vez de "precaridade", etc., etc.
Mas — valha-nos isso — não são só as formas correctas que soam mal; as incorrectas também: "há-dem", "há-des" ou "quaisqueres" ou "tu mentistes"
O que indicia o facto de os falantes acharem que uma forma postulada pelas regras soa mal? Muito provavelmente, que vai haver novas regras.
São os gramáticos normativos que fixam as regras gramaticais e suas excepções, procurando fundamentação nos usos fixados, ao longo de séculos, nos registos historiográficos e literários, bem como nas origens latinas e gregas das palavras. Mas o gramático não desconhece que do latim vulgar até ao português actual o percurso foi feito à conta de grandes erros e colossais equívocos. Então, é inevitável perguntar: se semper evoluiu para sempre, quem impedirá que extermínio evolua para "extremínio"? Se em boa hora deu embora, quem impedirá que embora se sintetize em "bora"? Se bondadoso deu bondoso, quem impedirá que se diga "competividade", em vez de competitividade?
Para que servem as regras, afinal?
*Artigo publicado no semanário Sol de 17 de Novembro de 2007, na coluna Ver como Se Diz