O que é falar nas entrelinhas? Como é que podemos sugerir algo sem efectivamente dizê-lo? Como é que se faz para dizer alguma coisa implicitamente?
Sugerir é falar sem dizer tudo, é deixar uma lacuna no discurso, que o leitor terá de preencher se quiser interpretar cabalmente o que lhe está a ser dito. Não raro, recorre-se a umas pequenas palavras que ditam a direcção que deve ser tomada nesse trabalho de interpretação.
Muitas vezes o implícito acontece para tornar o discurso económico. «Cheias na Ásia já mataram 1400 pessoas» (EuroNews, 05/08/07): já faz com que este enunciado comunique, sem explicitar, a expectativa de haver mais mortes. «Os estrogénios sempre fazem bem ao coração das mulheres com menopausa» (Público, 20/06/07): sempre marca a anulação de uma crença anterior contrária, a de que os estrogénios fazem mal.
Mas se o implícito está fundado numa lacuna ou omissão, aquilo que é dito pode ser desmentido sem que haja contradição da parte do locutor. O implícito passa então a ser uma maneira de o locutor comunicar algo sem estar plenamente autorizado a fazê-lo. A notícia do Público, de 2-08-07, sobre a venda de mísseis à Líbia pela França, começa com as declarações do filho de Kadhafi a divulgar esse contrato, avança para a evocação da libertação, na semana anterior, das enfermeiras e do médico búlgaros condenados à morte pela Líbia — e a seguir diz-se isto: «Paris e Trípoli estão também a negociar o fornecimento de um reactor nuclear.» A associação entre a libertação das enfermeiras e a venda de armas torna-se imediata e é feita à conta da palavrinha também.
Agora veja-se que palavrinhas são estas: advérbios. Se o leitor consultar uma gramática, verá que as funções típicas do advérbio pouco têm que ver com os usos que acima foram exemplificados.
«All grammar leaks», «toda a gramática mete água», disse Edward Sapir (linguista norte-americano do princípio do século passado). É por isso que é tão fascinante estudá-la.
*Artigo publicado no semanário Sol de 11 de Agosto de 2007, na coluna Ver como Se Diz