Um exercício sobre as máximas do filósofo ingLês Paul Grice é o que propõe Ana Martins neste artigo, publicado no semanário Sol, de 24 de Outubro de 2009.
O que é comunicado vai muito para além daquilo que é dito. É um facto linguístico consensual e reconhecido desde sempre. Este fenómeno é estudado em linguística no capítulo implicitação pragmática. As perguntas-chave que norteiam esse estudo são: Como é que o implícito acontece? Quais os mecanismos aí envolvidos? A construção de um sistema explicativo do implícito passa necessariamente por um artigo — pequeno, mas incontornável — de Paul Grice: Logic and Conversation (1975). Nele, Grice descreve as leis, ou máximas, que governam o acto comunicativo. Trata-se de princípios comunicacionais que o locutor assume serem observados pelo seu interlocutor.
Ora, uma das maneiras de produzir sentidos implicitados está em desrespeitar essas regras. É assim mesmo. Vamos ver.
A máxima da qualidade: não digas o que crês falso. Quando Mário Lino declarou «eu acho que é uma inovação interessante passarmos a referendar todas as obras» (TSF, 11/01/06), verbalizou uma coisa, em que não acreditava, para dizer outra, produzindo um efeito bem conhecido: a ironia.
A máxima da quantidade: fornece a informação estritamente requerida para a conversação. José Sócrates, no debate da SIC contra Manuela Ferreira Leite, depois de Clara de Sousa lhe ter perguntado repetidamente se ia substituir a ministra da Educação, responde: «um novo governo será um novo governo, com novos ministros.» Ao não observar a máxima da quantidade, Sócrates está a dizer «eu respondo só ao que quero».
Máxima do modo: sê claro, evita a expressão obscura. Vítor Constâncio, sobre a supervisão do mercado financeiro, declarou: «a atitude no exercício das nossas funções passou a adoptar uma perspectiva de maior suspeição apriorística do que no passado» (Lusa, 10/07/09). A opacidade desta declaração permite inferir acerca da elevada tecnicidade do trabalho desenvolvido no Banco de Portugal.
Há ainda outra máxima, a máxima da relação: sê pertinente. Saramago, na apresentação mundial do seu Caim, declarou que «a Bíblia tem uma influência muito grande na nossa cultura». Esta fala não tem relevância, mas confesso que não sei que implícitos possam daí ser retirados. Talvez que os nobelizados deste calibre tenham um estatuto elocucional especial, que Grice não conseguiu prever…
Artigo publicado no semanário Sol, de 24 de Outubro, na rubrica Ver como Se Diz.