Chegados ao Natal e Fim de Ano, somos confrontados com as tristes notícias sobre acidentes rodoviários, feitas fundamentalmente com base em balanços do número de mortos e feridos graves nas estradas portuguesas.
Daqui é possível retirar breves exemplos de como o discurso dos “media”, muitas vezes, em vez de actualizar a norma padrão da língua e o registo corrente, ora se tenta aproximar do discurso da ciência (sob a égide do rigor e da objectividade), ora é permeável a dizeres perfeitamente heterogéneos.
Veja-se a seguinte fórmula: «O indivíduo chegou já cadáver ao hospital»; «O indivíduo ficou cadáver». Não se trata de uma formulação errada, que vá contra as regras da gramática, mas é sem dúvida uma opção inútil face a esta, menos estilizada e mais jornalística: «O indivíduo faleceu/morreu/chegou já sem vida».
Com este tipo de apropriação de estereótipos do discurso técnico-científico convive a permeabilidade ao registo familiar; por exemplo: «Mais de dois mil condutores foram apanhados em excesso de velocidade». Há também a tendência para reproduzir, em discurso não citado, expressões proferidas por entrevistados, como em: «O número de acidentes foi desastroso». Cada acidente é já um terrível desastre para todos aqueles que nele estiveram envolvidos e, portanto, a redundância em «desastroso» é, no mínimo, uma triste ironia.
São usos absolutamente incorrectos? São seguramente estilos ineficazes e perniciosos quando o que se pretende é transmitir informação com o máximo de precisão e o mínimo de esforço para o falante e para o ouvinte.
texto publicado no semanário "Sol" de 6 de Janeiro de 2007, na rubrica "Ver como se diz"