«(...) Exige-se a quem publica num órgão de comunicação social que escreva corretamente. É o mínimo que se impõe a quem escreve para ser lido por outras pessoas, num meio que tem também uma função didática. (...)»
É cada vez mais raro ver televisão, mas na semana passada lembrei-me de espreitar o telejornal da RTP-M, que já não via há meses. Logo no início deparei-me com a palavra “detensões” a legendar uma imagem. Ainda esperei um pouco, pois pensei que o erro seria detetado e prontamente corrigido para detenções, mas não, durante todo o tempo que a imagem esteve no ar a legenda manteve-se. Confesso que fiquei enervada.
É muito frequente pegar num qualquer jornal regional e encontrar erros que me horrorizam. Vou dar apenas alguns exemplos, pois causa-me genuíno sofrimento reproduzir todas as aberrações que aparecem sistematicamente: “concerteza”, “prespetiva”, “tem haver”, “á”, “espetativas”. E isto sem falar de erros de concordância, péssima pontuação, má construção frásica e encadeamento confuso de ideias.
São tantos os erros que se encontram numa qualquer edição, que desenvolvi um jogo com a minha filha e sobrinhos chamado “Caça ao Erro”. Ganha quem descobrir mais erros. As crianças divertem-se imenso a detetar as palavras erradas que os senhores jornalistas, cronistas e colunistas escrevem.
Eu tenho esta grande dificuldade. Não consigo ler textos com erros ortográficos. Não consigo. Perco logo todo o interesse no conteúdo.
Uma coisa é um mero lapso, tal como esquecer-se da preposição ou do artigo, ou repetir uma palavra, usar combinações que causam cacofonias, cair em redundâncias. Conheço bem as partidas que o cérebro nos prega e como só conseguimos detetar certos erros de escrita quando nos distanciamos por algum tempo do texto.
Outra coisa é escrever “à tempos” em vez de há, “trás consigo” em vez de traz, “se ele gasta-se” em vez de gastasse, “saber-mos” em vez de sabermos, “haverão ocasiões” em vez de haverá, “houveram situações” em vez de “houve”. Isso, caros jornalistas, cronistas e colunistas, não são meras distrações, nem é resultado do cansaço. É pura ignorância.
Sempre acreditei na importância de escrevermos corretamente a nossa língua. A todo o momento assaltam-me dúvidas e consulto o dicionário e a gramática para esclarecê-las. Esta será sempre uma aprendizagem contínua.
Podem tentar convencer-me que a forma não é relevante, que o mais importante é o conteúdo. No entanto, eu não me consigo abstrair da forma e a má forma causa-me legítimo desinteresse pelo conteúdo. Não se trata de um pormenor de pouco valor. O cuidado que empregamos na escolha das palavras, a diligência aplicada no encadeamento das ideias e o empenho em apresentar um texto isento de erros refletem quem nós somos.
Quem escreve com erros não merece a minha atenção. Quem não revela brio na construção do seu texto, quem não tem o zelo de rever o que escreve, quem aparenta um desleixo que roça o desprezo pelo leitor não merece que eu perca dois ou três minutos do meu tempo a tentar decifrar o seu pensamento enredado numa teia de mau português.
Exige-se a quem publica num órgão de comunicação social que escreva corretamente. É o mínimo que se impõe a quem escreve para ser lido por outras pessoas, num meio que tem também uma função didática.
E enquanto os administradores dos órgãos de comunicação social regionais não interiorizam que é essencial contratar revisores de texto, os senhores jornalistas, cronistas e colunistas devem pedir ajuda a revisores informais (o colega do lado, a namorada, o amigo, a irmã, a mãe).
Os leitores merecem respeito. A excelência exige rigor.
crónica da autora, transcrita do Jornal da Madeira, no dia 2 de outubro de 2018