«Por exemplo, lembraste quando adoravas brincar com o teu carrinho azul?»
«E lembraste quando quiseste comprar o triciclo na loja de desporto?»
«E da tia Nini, lembraste como a adoravas e só querias estar ao colo dela, que te contasse histórias e brincasse contigo?»
Em todas estas frases deveria estar lembras-te e não lembraste1. Ainda por cima são três frases que constam de um livro infantil...
A confusão entre o verbo no pretérito perfeito (lembraste) e a forma pronominal no presente do indicativo (lembras-te) é um erro algo comum nas redes sociais e em contextos de grande informalidade onde a escrita é mais apressada e descuidada, mas raro em «letra de forma», ou seja, em livros, revistas ou jornais.
Sobre o verbo lembrar, convém, portanto, e já agora, lembrar que lembraste é a segunda pessoa do singular do pretérito perfeito do indicativo do verbo lembrar, que poderia ser usada na frase: «Tu lembraste a mãe de que tinha de te comprar um triciclo na loja de desporto». Lembras-te é a forma pronominal da segunda pessoal do singular do presente do indicativo do mesmo verbo, em que o pronome oblíquo -te é usado para indicar as ações relativas ao sujeito que as pratica.
Olhando para a ficha técnica do livro, vê-se que a revisão é da autora. Ou seja, não há trabalho de um revisor da editora. Na verdade, casos destes, extremos, são menos da responsabilidade do autor, que pode errar e erra, mas mais da editora que, ao suprimir a figura do revisor ou, no caso, ao fazê-la coincidir com a do autor, presta um mau serviço à edição.
Francamente, e fazendo um paralelo com outros bens, este livro bem que poderia ser considerado um produto avariado, sendo suscetível de devolução à editora por não estar em condições. Defeitos, em livro, são apenas páginas em falta, páginas em branco, defeitos de impressão, cadernos trocados, páginas rasgadas, dobradas e similares, ou seja, defeitos de fabrico relacionados com a materialidade do objeto. Porém, casos como este, de defeitos sistemáticos, graves e inadmissíveis no conteúdo, deveriam poder ser abrangidos por aquela figura. Acresce tratar-se de um livro destinado a crianças e com menos de trinta frases escritas, em regra curtas.
P.S. – O caso foi-nos sugerido por um post do mural de Facebook da nossa colega Zélia Parreira, a quem agradecemos.
1 Trata-se do livro com o título És o amor dos papás (Lisboa: Chiado Books, 2017).
